01 novembro, 1995

INOVAÇÃO GERENCIAL E RESPOSTA SINDICAL: O SINDICATO DOS METALÚRGICOS DA BAHIA E A IMPLANTAÇÃO DE PROGRAMAS DE QUALIDADE TOTAL NA INDÚSTRIA

 Publicado em RBAC – Revista Brasileira de Administração Contemporânea. Anais 19º ENANPAD, 1995

Nilton Vasconcelos

Introdução

A retórica da qualidade tem alcançado ampla difusão no país e, na Bahia, nenhum outro entre estes 'novos' métodos de gerenciamento, conquista tamanha influência sobre as organizações. A febre se alastra rapidamente, em todas as direções e setores da economia, como Se 'qualidade' fosse a palavra mágica que leva ao sucesso qualquer empreendimento.

Evidentemente que à gestão inspirada nestes propalados preceitos se fundamenta em técnicas específicas e todo um conjunto de ferramentas cuja repercussão no processo produtivo não se deve menosprezar.

Ao lado dos aspectos eminentemente técnicos (se é possível classificá-los assim), estão outros de conotação claramente ideológica. O envolvimento de toda a organização em torno da nova concepção de gerenciamento, da 'nova filosofia', é um dos fundamentos da proposta. A gestão da Qualidade Total tem como objetivo a mudança da cultura da organização (Fischer, 1993).

Neste sentido, discutir cultura organizacional em empresas que estão implementando programas de Qualidade Total é tratar de uma temática que é muito cara àquela retórica do modelo japonês que vem causando fortes tremores nestas latitudes.

 Os sindicatos, como organizações de representação e defesa dos interesses dos trabalhadores, têm sido acionados frequentemente para tratar dos efeitos da implantação desses programas nas empresas. Em alguns países a estrutura sindical alterou-se profundamente, em outros modificaram-se as políticas destas entidades (Joffily, 1994). Na Bahia, o Sindicato dos Metalúrgicos está no epicentro do terremoto. Não sem motivo, pesquisa desenvolvida em organizações empresariais baianas, inclusive uma metalúrgica, encontra na ação sindical um fator relacionado à dificuldade de implantação e desenvolvimento de programa de qualidade (Fischer, 1993).

 Várias empresas procuram neutralizar a ação sindical seja por via repressiva aberta, ou promovendo o isolamento político da representação dos empregados através dos mecanismos de formação da “nova cultura”.

Adota-se aqui a concepção de que cultura organizacional não é uma variável passível de manipulação ao sabor da gerência (Aktouf, 1992). Ao contrário, cultura está relacionada a inúmeras práticas, tradições, comportamentos, interações e contextos. Assim, os sindicatos influenciaram e continuarão a exercer influência sobre a formação da cultura específica de uma organização empresarial.

Por outro lado, também é lícito afirmar que o sindicato, visto na sua condição de organização, ao interagir com ‘mudanças culturais’ nas empresas que atua, sofre ao mesmo tempo, influência em seu próprio comportamento organizacional.

Thébaud-Mony (1992) ao discutir as transformações em curso no mundo do trabalho afirma que “A ideologia gerencial tende a impor como único valor de referência cultural, O êxito da empresa, sua competitividade no mercado nacional e internacional. No contexto atual de crise econômica permanente, as seções sindicais são, no seio das empresas contratantes, reféns dos ‘desafios’ que, no discurso empresarial, são necessários à sobrevivência econômica da empresa (e, portanto, dos seus assalariados)."

Para discutir a inovação gerencial e seus reflexos sobre o comportamento da organização sindical, faz-se aqui um levantamento das condições históricas, e o contexto político-social, em que o sindicalismo metalúrgico se desenvolveu na Bahia, e as contingências de mercado, numa tentativa de identificar os traços da cultura organizacional específica, segundo esquema proposto por Allaire e Firsirotu (1988).

Uma organização com 76 anos de atuação

Oito operários da Companhia de Navegação Baiana reunidos na casa de um deles, em um bairro popular, e após uma vitoriosa greve geral na cidade, resolveram fundar em abril de 1919, a Associação Profissional dos Trabalhadores Metalúrgicos da Cidade de Salvador.

São poucas as informações encontradas sobre os primeiros anos de vida da entidade nos estudos já publicados. Uma consulta que fizemos às atas de reuniões guardadas até hoje, faz emergir a preocupação existente à época com a conscientização dos trabalhadores para a luta sindical, a denúncia das condições precárias de trabalho, e um espírito socialista presente nos discursos de inúmeras assembleias. Numa palestra sobre “os princípios das ideias comunistas” realizada em setembro de 1923, ou na sessão solene em 1934 destacando “os quinze anos de lutas contínuas em prol da reivindicação proletária” (Atas), é marcante na retórica de vários líderes sindicais a influência do Partido Comunista.

No início da década de 30, com o Governo Getúlio Vargas, os sindicatos passaram a ter subordinação ao Estado. Um novo padrão de organização sindical foi imposto, mas o Sindicato dos Metalúrgicos ainda manteve sua característica de luta por um certo tempo. Participou da criação da União Sindical da Bania que ainda em 1933 organizou importante greve local. Segue-se, no entanto, a ditadura getulista com o Estado Novo reprimindo violentamente o movimento.

 Teixeira (1989) registra três grandes momentos na trajetória do sindicato. A primeira, de 1919 a 1964, é denominada de esforço de construção institucional do sindicato, cujos resultados são mais simbólicos do que materiais (Castro, 1997). Durante esta fase, a repressão política atinge os sindicatos brasileiros algumas vezes, entre estes os metalúrgicos da Bahia. Em 1947, José Bastos, um funcionário do Ministério da Fazenda é nomeado interventor e permanece nesta condição por oito anos. Neste período, de 5 a 10 metalúrgicos, no máximo, frequentavam as reuniões, quando a base da categoria contava com aproximadamente 5 mil trabalhadores. Com o fim da intervenção, uma Assembleia indica João dos Passos, um destacado líder da oposição a Bastos, para presidir a entidade (O Metalúrgico Nº 11, 1992).

João dos Passos é o primeiro presidente eleito em 1959, sendo reeleito em 1962. No período em que esteve à frente da entidade o sindicato ampliou sua ação assistencial, registrou a primeira greve em 1961, ampliou para um mil o número de sindicalizados, e estruturou financeiramente a organização. Para Castro (1991), ‘o grande legado dessa fase foi a constituição, no imaginário da categoria, da representação do mito do herói fundador, na figura de João dos Passos’. Desde o início da década de 50, ele havia sido destacado pelo antigo PCB para organizar o partido na categoria, imprimindo uma ação fortemente reivindicatória.

O ano de 1964 marca a história do sindicato profundamente, delimitando o início de uma segunda fase na periodização proposta por Teixeira. Com o golpe militar é decretada a intervenção federal, com a cassação e perseguição a João dos Passos, a principal liderança no período que antecedeu ao golpe e, uma lembrança sempre registrada pelos atuais dirigentes.

Esta nova intervenção tem maior importância política que as anteriores. Manoel dos Santos, um elemento sem expressão na categoria, com pouco mais de um mês de associado, foi nomeado interventor pelo regime autoritário, e permaneceu à frente da entidade por 18 anos, até 1982. Sua administração se beneficia do crescimento do parque industrial baiano no período, das boas relações com o governo central, além da subserviência ao patronato.

À crise que se seguiu ao milagre brasileiro, com o crescimento da oposição democrática ao regime militar, a política de achatamento salarial e, ainda, a prática de conciliação da direção sindical - tudo isto - favoreceu o surgimento e ampliação da OSM - Oposição Sindical Metalúrgica, tornando cada vez mais difícil para Manoel dos Santos continuar à frente da entidade.

A Oposição Sindical Metalúrgica forma-se em 1978 reunindo militantes de esquerda vinculados ao PCdoB e ao PT. João dos Passos pode ainda presenciar, em 1982, a “retomada” do sindicato das mãos do pelego e, num ato simbólico, entregar à nova direção, a chave da antiga sede da entidade, que guardou consigo desde a intervenção (Teixeira, 1989).

A indústria metalúrgica baiana sofre profundas alterações ao longo dos últimos 60-70 anos. De início incipiente com base na atividade desenvolvida em torno do porto de Salvador, observou um importante crescimento após a instalação da Refinaria da Petrobrás no Recôncavo baiano. Seguiram-se os investimentos estatais que conferiram ao Estado da Bahia, também no setor metalúrgico, a condição de produtor de bens intermediários: a siderurgia do alumínio, do cobre, do ferro-cromo e do ferro-silício. À implantação do polo petroquímico exigiu por sua vez o fortalecimento do segmento de manutenção industrial. Mas, também se observa o refluxo dos investimentos em perfuração, com o enfraquecimento do setor metal mecânico. Por outro lado verifica-se a grande redução dos postos de trabalho após a privatização da Caraíba Metais, da Sibra Eletrossiderúrgica, e da Usiba.

Tudo isto resultou num parque heterogêneo quanto ao porte das empresas, “ao processo produtivo, propriedade do capital, modalidade de gestão do trabalho, dispersão espacial das plantas e a heterogeneidade da força de trabalho” (Castro, 1991).

Estes aspectos influenciam na definição do tipo de ação sindical. Particularmente, a distribuição espacial das plantas é fator destacado por Souza (1984) ao fazer uma análise comparativa entre as condicionantes da mobilização grevista em São Paulo e Bahia.

Desde a vitória dos novos dirigentes já se passaram quatro gestões e doze anos. Nesta terceira etapa resgatou-se o sindicalismo combativo, correspondendo a um período de intensas mobilizações e processos grevistas. A democratização da organização fez-se sentir também pela realização, a partir de 1988, de congressos de delegados eleitos na base após intenso debate.

Em 1989 no II Congresso dos Metalúrgicos formaliza-se o rompimento com a legislação que regulamentava a constituição e o funcionamento de entidades sindicais, com a aprovação de um estatuto que fugia aos padrões estabelecidos desde 1931. O III Congresso sindical, realizado em 1991, aprofunda a ruptura com o antigo sistema, estabelece entre outras coisas o número de 67 diretores, a possibilidade da composição da diretoria pelo sistema proporcional; uma maior divisão de responsabilidades entre diretores.

A relação com o sindicato patronal constitui-se um crescente ponto de tensão. Apesar da estabilidade sindical ao dirigente ser prevista na Constituição Federal, as empresas usam de subterfúgios para desrespeitar o princípio e, nos últimos anos, onze diretores já foram demitidos. Todos eles vivem privações pela perda do salário, mas continuaram exercendo suas funções, recebendo ajuda de custo mínima do sindicato. A ampliação do número de diretores para 67 membros, objetivou garantir a estabilidade no emprego para ativistas de base - agora, classificados como diretores. O que é questionado na Justiça pelo Sindicato das Indústrias.

Inovação gerencial e impacto sobre o sindicato

“QUEM É CONTRA O GTQ E O TQC VOTA GARRA METALÚRGICA”, estampava o boletim de campanha da chapa 1 que venceu as eleições para renovação da diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos da Bahia.

Até 1994, em todas as gestões do Sindicato dos Metalúrgicos da Bahia, foi preservada a composição política entre as duas principais correntes que integravam desde o início a oposição metalúrgica: a Garra Metalúrgica, estruturada a partir de um núcleo de militantes do PCdoB, e a Luta Metalúrgica organizada em torno de militantes do PT. Adotava-se um acordo prévio entre os grupos que resultava em chapa única às eleições, ou a apresentação de duas chapas com o preenchimento dos cargos da diretoria em proporcionalidade aos votos obtidos por cada uma delas.

Este processo, no entanto, não foi observado no último pleito em setembro de 1994. Ambas as correntes políticas, consideraram não haver condições para uma convivência na mesma diretoria. As contradições existentes não foram superadas na condução dos assuntos da categoria, gerando um desgaste que julgaram insuperável. O resultado eleitoral seria absoluto. A chapa que obtivesse a maioria dos votos passaria a ocupar integralmente os cargos da diretoria. E assim foi.

Destaca-se aqui este episódio por sua importância no contexto da discussão sobre a introdução de mudanças gerenciais em empresas metalúrgicas.

De fato, a gestão 92/94 foi marcada por forte atrito entre as forças político sindicais (Garra Metalúrgica e Luta Metalúrgica) que desde dezembro de 82 compuseram em comum acordo a direção do sindicato. Durante esta última gestão, uma temática nova passou a representar objeto de divergência aberta entre as correntes políticas.

Certamente, outros fatores têm interferido sindicais, mas o debate em torno da implantação dos programas de qualidade na  Ceman - Central de Manutenção(GTQ) e na Caraíba Metais(TQC) tornou este processo bastante peculiar. A primeira empresa é a maior empregadora da categoria com quase dois mil trabalhadores e responsável pela manutenção das grandes plantas industriais na Bahia, inclusive a central petroquímica, e em outros estados. A segunda é a maior empresa exportadora baiana, e a única fabricante de cobre eletrolítico do país.

O assunto esteve presente em assembleias, em porta de fábrica, nos materiais de propaganda eleitoral das duas chapas em disputa, sendo uma polêmica relevante para o resultado do pleito.

O TQC - Total Quality Control da Caraíba, segue os padrões difundidos no Brasil pela Fundação Cristiano Otoni, de Minas Gerais, e tem declarada influência dos métodos desenvolvidos no Japão. Segundo o Balanço Anual - Bahia, publicado pela Gazeta Mercantil, desde 1991, o programa contribuiu para a redução de custos de produção da empresa, e “está baseado em dois fundamentos: O gerenciamento da rotina e o treinamento do pessoal em técnicas de análise e solução dos problemas. De 1988 para cá o quadro foi reduzido de 2.250 para 1.250 funcionários no ano passado. A produção saltou das 135 mil toneladas naquele ano para 170 mil toneladas atualmente”.

O Gerenciamento Total da Qualidade da Ceman, segundo o Manual do GTQ/CEMAN, “representa a filosofia gerencial da CEMAN, para a qual devem convergir todas as frentes de desenvolvimento na empresa em todas as suas áreas (comercial, produtiva, administrativa e financeira). A comunhão dessas expectativas busca de forma permanente, a satisfação dos clientes, acionistas e empregados.” A estes fundamentos característicos do TQC, aliam-se outras políticas como a Gratificação Adicional e Diferenciada (GAD), ligada ao cumprimento de metas de qualidade, e a reestruturação da companhia com Pequenos Empreendedores (PEs).

A implantação de novos métodos de gerenciamento tem sido cada vez mais um tema candente da atuação sindical, mas nunca havia chegado a ser elemento tão determinante em plataformas de campanha eleitoral.

Na verdade, este debate não foi apenas eleitoral. Uma pesquisa nos materiais em que os dois principais agrupamentos políticos divulgaram regularmente suas opiniões indica que a Qualidade Total foi questão quase que obrigatória ao longo da última gestão. O quanto este debate foi de conteúdo, ou de denúncia da ação patronal, ou ainda, a expressão política de divergência interna, é um problema importante a ser discutido. Possivelmente, um pouco de cada coisa.

O debate envolveu os trabalhadores e a direção das duas maiores empresas metalúrgicas, o que torna compreensível a repercussão das mudanças no gerenciamento dessas organizações empresariais sobre a atividade sindical.

A seguir, algumas indicações de como as duas correntes que compunham a diretoria do sindicato veem o problema. No boletim número 2, de maio de 93, a Luta Metalúrgica expõe sua concepção, criticando correntes sindicais que continuam com uma “posição primária de enxergar o TQC como mais uma maracutaia dos patrões”. Esclarece que “O TQC representa a forma atual de como se adapta a organização da produção às novas exigências do mercado.” e que "Porém, para toda esta estrutura de gerenciamento funcionar, é imprescindível a participação espontânea dos trabalhadores” e conclui "O TQC não é dos patrões. É um método de gerenciamento e nova relação de trabalho que será implantada de acordo com a correlação de forças entre patrão x trabalhadores”.

A ideia da negociação da implantação do programa de gerenciamento é uma constante neste enfoque do problema. Diante do programa de demissões posto em prática pela empresa, argumentam que a implantação do TQC pode implicar na redução de postos de trabalho, mas “isso não quer dizer que Qualidade Total é sinônimo de demissão. Até porque é contraditório e o próprio TQC coloca que sem motivação e confiança dos trabalhadores não se obtém resultados positivos”. Ressalta ainda que há empresas em que o TQM (Total Quality Management) não implicou em demissões (Luta Metalúrgica Especial, agosto/93).

A crítica à postura da maioria da diretoria do sindicato e o “estágio avançado de transformações na organização da Caraíba Metais, em consequência da implantação do TQC”, leva a Luta Metalúrgica a convocar uma reunião dos trabalhadores da Caraíba para criar uma Comissão de Representantes (que não prosperou) - “um organismo local, ágil, que nos represente e negocie nossas reivindicações com conhecimento de causa”.

Durante esse mesmo período, a maioria do sindicato (Garra Metalúrgica) mantém um posicionamento de crítica ao discurso da Qualidade Total, Responsabiliza o GTQ na Ceman pela eliminação de folga mensal, o aumento dos valores da assistência médica, a demissão de centenas de trabalhadores, e a eliminação do prêmio produtividade para todos os trabalhadores. Na Caraíba, o aumento dos descontos da assistência médica, o fim da 5ª Turma de revezamento de turno, e o programa de “demissão voluntária”, são apontados como resultantes do TQC. São expostas as contradições de um novo gerenciamento que não passa “de uma técnica destinada apenas a aumentar os lucros do capital”. Afirmando ainda que “Através do método da Administração participativa, os patrões querem que o trabalhador 'vista a camisa da empresa' e viva 24 horas por dia pensando na produção, como se um operário pudesse ser parceiro de empresário"( O Metalúrgico, 87 - novembro, 1993).

As duas empresas, por sua vez, apresentam justificativas relacionadas à competitividade de mercado para não aceitarem abrir mão de suas posições de reduzir benefícios, subordinando a concessão de ganhos para os trabalhadores ao bom desempenho da empresa.

O acirramento das posições dentro do movimento sindical tem desdobramento durante o ano de 1994, culminando com as eleições para a nova diretoria. As duas chapas explicam que o motivo desta eleição ser 'bate-chapa' foi a impossibilidade dos trabalhadores conviverem com o seu sindicato dividido por mais três anos (Luta Metalúrgica, agosto/94). Para a Garra Metalúrgica um dos principais motivos da divisão na direção do Sindicato foi a defesa que o grupo oposto fez do TOC e do GTQ: “é com base nesta diferença que os trabalhadores devem escolher em quem votar” (Garra Metalúrgica, outubro/94).

 A vitória da Garra Metalúrgica nas eleições teve como um dos fatores decisivos o resultado favorável obtido por esta chapa na Caraíba Metais. Na eleição anterior, a Luta Metalúrgica havia alcançado uma vitória bastante expressiva na Caraíba. Desta vez a diferença foi pouco expressiva, levando a chapa vitoriosa a interpretar o avanço obtido como sinal de acerto na sua política em relação ao TQC. Mas, se esta interpretação for correta para a Caraíba, a inversão do resultado na Ceman (onde a Garra havia sido vitoriosa no pleito de 1991), representa um problema para a nova direção resolver, muito embora nesta empresa não tenha ocorrido o mesmo grau de aprofundamento das discussões observado na siderúrgica do cobre. 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Apesar da atração que exerce o debate sobre a postura sindical frente a esses métodos gerenciais, a intenção deste texto é discutir, tão somente, as eventuais modificações no ambiente das relações do trabalho em decorrência do objetivo expresso pelos autores e divulgadores da QT, de mudar a cultura das empresas.

O que pensam os trabalhadores sobre os referidos programas de gerenciamento é uma questão ainda sem resposta definitiva, sua posição não é homogênea, sendo mesmo contraditória, e uma conclusão a esse respeito depende da análise de inúmeras variáveis. Mas, se o resultado de uma eleição não é suficiente para definir a opinião dos empregados sobre o assunto, pode apresentar indicativos importantes acerca do comportamento dos trabalhadores.

O choque gerencial de mudança de abordagem da relação capital/trabalho atinge a subjetividade dos trabalhadores. Na ótica da “nova cultura”, a conquista de melhores condições de trabalho e remuneração passa a ser responsabilidade daqueles que, anteriormente, reivindicavam seus interesses através do enfrentamento com os patrões. Observa-se que a contradição existente entre o discurso da Qualidade e as relações de produção representa sério obstáculo à uma adesão dos trabalhadores, especialmente em função das características da ação sindical local.

A organização representativa dos empregados, praticando uma relação de proximidade com as suas bases, reflete o nível de contradição presente no seio da categoria. Os sindicatos brasileiros, mesmo com uma estruturação diferente daquela observada no Japão, por exemplo - onde cada sindicato corresponde a apenas uma empresa -, além de refletir as bases, exercem influência decisiva na mobilização, e na consciência dos trabalhadores.

O Sindicato dos Metalúrgicos da Bahia foi marcado desde a sua fundação por atos políticos significativos, seja pela intervenção governamental direta ao longo de 26 anos - quase um terço da sua existência; seja pela forte influência, nos períodos de maior liberdade, de partidos de esquerda: o PCB, o PT e o PCdoB. Sendo que estas organizações mantiveram atuação militante junto à categoria mesmo durante a fase de intervenção do estado nas entidades.

À predominância das concepções de esquerda, com uma forte vinculação com os trabalhadores, parece interferir no sentido do não aparecimento de um sindicalismo abertamente engajado na perspectiva patronal, mesmo considerando as peculiaridades do discurso e as profundas mudanças em andamento no mundo do trabalho.

Embora lideranças sindicais isoladas possam aliar-se mais decisivamente à retórica empresarial, Castro (1993) registra que importantes tendências do movimento sindical brasileiro, mesmo entre os metalúrgicos, reagem hoje a qualquer compromisso dos trabalhadores com acordos, envolvendo-os em metas de produção, qualidade e produtividade, ao modo do que formula o chamado “sindicalismo propositivo”. A CUT em seu V Congresso, em maio/1994, afirma que a Central deve disputar a “ideia de Qualidade e Produtividade sob a perspectiva de qualidade de vida e de trabalho para as maiorias” afirmando o caráter conflitivo das relações capital-trabalho, negando a ideologia empresarial de parceria” (CUT, 1994).

Os resultados pretendidos pelo empresariado com a implantação dos programas de qualidade podem ou não ser alcançados, e a forma como são encarados pelas entidades sindicais é elemento decisivo. Independentemente dos resultados na lucratividade dos empreendimentos, pode-se afirmar que estes novos métodos de gerenciamento têm influenciado desde já o comportamento das organizações representativas dos trabalhadores, suscitando diferentes alternativas de enfrentamento no seio da organização sindical dos metalúrgicos baianos.

Observa-se que, embora houvesse outros elementos que tenham influenciado na redefinição do modus vivendi entre duas principais correntes sindicais, as divergências quanto ao tratamento das inovações gerenciais foi determinante para uma ruptura de uma convivência que durou doze anos (1982-1994).

Se a quebra da unidade resultará no enfraquecimento da entidade representativa dos trabalhadores, é uma questão que está por ser resolvida. A filosofia empresarial está definida, e ela pressupõe uma cultura cujo traço essencial é a motivação dos empregados para alcançar as novas metas da empresa. O sindicato é sujeito e objeto, interfere e sofre interferência dos processos gerenciais em curso nas empresas, e a fragilização da organização sindical facilita para as empresas o desenvolvimento de programas de Qualidade Total,

Vários sindicatos, de diversos ramos de atividade, tem observado a adesão dos trabalhadores à Qualidade Total. A implementação, pelas empresas, de uma política de comunicação interna, massificando o seu ideário, as programações culturais, o envolvimento dos familiares, o convite para o cafezinho com o chefe, enfim, a política de aproximação com o empregado, busca estimular o funcionário a resolver seus problemas nos marcos da própria empresa.

Para os sindicatos a questão fundamental é a possibilidade de perda de influência sobre os trabalhadores, expressa na queda do nível de disposição dos trabalhadores para a ação reivindicatória.

Duas alternativas estão colocadas na ordem do dia. À primeira delas seria a incorporação do sindicato ao processo das 'novas' e 'inevitáveis' técnicas gerenciais, negociando sua implantação, caso contrário advogam os defensores desta linha, serão aplastados pela categoria, que passará a ver o sindicato como um inimigo do sucesso da empresa. Sucesso este que depende de cada um.

Não perder base, nestas circunstâncias, pode seguir outra estratégia, qual seja a de confrontar os 'programas' naquilo que de mais contraditório apresentam e desenvolver novos mecanismos de aproximação com os trabalhadores.

Para o Sindicato dos Metalúrgicos da Bahia, conforme publicado em O Metalúrgico Nº174, a entidade não se sente obrigada a posicionar-se acerca de métodos de gerenciamento de empresas, e sim sobre os efeitos da aplicação destes métodos na vida dos trabalhadores, no emprego, nos padrões de remuneração, no ambiente de trabalho. Os ideólogos da qualidade afirmam que demissões e redução de custos estão relacionados a fatores econômicos, comerciais e tecnológicos, e que nada tem com a qualidade. Na prática, tem sido difícil dissociar estes fatores.

 

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