20 agosto, 2009

Mundo do Trabalho e Crise




Nilton Vasconcelos

O ambiente do trabalho no mundo, compreendido nas suas dimensões institucionais, econômicas e sociais, vive na atualidade os efeitos de uma crise capitalista de novas características, que atingiu em cheio o capital financeiro e se desenvolveu a partir do centro em direção à periferia da economia mundial. Esta particularidade, contudo, não torna menos perversos os seus reflexos sobre todo o globo. Embora o impacto sobre as economias centrais tenha sido mais intenso num primeiro momento, o alto grau de integração resultante da intensificação do comércio internacional de bens e serviços, e especialmente da atividade financeira, faz com que os efeitos da crise cheguem também nas economias periféricas, que, em geral tem estruturas sócio-econômicas mais sensíveis.
O trabalho como um dos fatores essenciais do sistema econômico também padece, refletindo a crise do capital. A força de trabalho como de outras vezes, está entre as primeiras vítimas com o fechamento de oportunidades de emprego, de início nos bancos e no sistema financeiro, em seguida na indústria, na agricultura, no comércio, e nos demais segmentos do setor serviço.
As conseqüências da quebra de instituições centenárias, que arrastou tantas outras empresas para o abismo, não se produzem igualmente, ou de forma homogênea nos diversos países. Ao contrário, as discrepâncias entre as economias das nações, foram acentuadas pelas políticas da fase precedente à crise, fundadas no estímulo à abertura de mercados – genérica e erroneamente chamadas de globalização, de modo que o impacto sobre o mercado de trabalho tende a se manifestar, pelo mesmo mecanismo, de forma mais agravada nas economias menos protegidas e mais frágeis.
Uma das manifestações mais evidentes desse processo é o revigorado protecionismo dos países centrais com políticas anti-imigração, estimuladas pelo nacionalismo e pelo racismo, fazendo retornar aos países de origem trabalhadores antes indispensáveis na execução de tarefas consideradas menos nobres.
Os efeitos da crise, portanto, não alcançam homogeneamente aos trabalhadores pelo mundo afora. Também não se pode afirmar que serão facilmente superados os mecanismos que a deflagraram. A Conferência Internacional do Trabalho, em Genebra, em junho de 2009, salientou a prolongada perspectiva de aumento do desemprego e agudização da pobreza e da desigualdade. Este é um importante reconhecimento da gravidade do tema e uma sinalização de que não estão no fim as intempéries que atingem o mercado, anunciadas há tanto tempo pelos principais centros de previsão da atmosfera econômica.



O entrelaçamento entre os setores financeiro e produtivo, elevado a altos níveis, resultou na eliminação de milhões de postos de trabalho. Esta crise, logo comparada em extensão e profundidade à depressão dos anos 30 do século passado, chegou num período histórico marcado pela hegemonia das concepções teóricas baseadas na preponderância da lógica do capital e do mercado sobre outras dimensões da atividade humana.
Chama-se aqui a atenção para este acontecimento, também pelo significado intrínseco à própria crise: o socorro organizado pelo Estado capitalista, com recursos públicos, para salvar o mercado e as suas instituições, após décadas e décadas de cantilena sobre o necessário afastamento do Estado do ambiente econômico, em função da sua suposta ineficiência. Circunstância irônica e trágica ao mesmo tempo. Naturalmente, os ideólogos do modelo ora abalado realizam novos malabarismos teóricos para explicar e justificar – à sua maneira – a superioridade do sistema, e, possivelmente (não se deve tomar como surpresa), apontar “intromissões” do próprio Estado, no passado, como fator deflagrador da crise atual.
Deve-se pontuar que os problemas do mercado de trabalho, como de resto os problemas da economia, que influenciam sobremaneira a sociedade contemporânea, não surgiram com a quebra das instituições hipotecárias, seguradoras e fundos de investimento baseados em derivativos, em meados de 2008. Não, estas manifestações representaram nada mais que um desdobramento de um contexto econômico que já estava estabelecido antes da crise, e que tem sua origem na subordinação do trabalho a outras esferas, notadamente o capital financeiro. Esta crise expressa, evidentemente, as limitações de um modelo econômico insustentável.
A contínua desvalorização do trabalho imposta por políticas de cunho neoliberal nas últimas décadas em todo o mundo, fez crescer a preocupação com o aumento do desemprego e da pobreza, e com o achatamento salarial. As condições de trabalho se deterioraram – com o incremento da carga horária laboral, a submissão a atividades exaustivas, o crescimento do trabalho eventual e informal, entre outras precariedades. Assim, a insegurança, a desigualdade, a inadequada remuneração e a falta de liberdade, passaram a comprometer uma evolução dirigida à valorização e à dignidade no mundo do trabalho.
Este quadro socioeconômico é agora agravado, e sobre ele devem estar atentos os formuladores de política pública do trabalho. Ampliar as conquistas do trabalho e restringir a influência do mercado através da observância de normas rigorosas parece ser um caminho a ser trilhado. Não se pode imaginar, entretanto, que medidas que não alterem os elementos propulsores da crise possam obter sucesso ao ponto de reverter as tendências já mencionadas. Medidas anticíclicas trazem os genes econômicos do sistema, e não se propõem a alterá-los na essência.
Neste quadro, é um grande avanço o estabelecimento de um compromisso por parte dos mandantes tripartites da OIT, que decidiram firmar um Pacto Mundial para o Emprego, colocando a geração de postos de trabalho e a proteção social como elementos centrais das políticas econômicas e sociais (OIT, 2009). Propugna-se naquele documento a promoção do Trabalho Decente como estratégia de enfrentamento da crise tendo como base políticas que visem 1) acelerar a criação de postos de trabalho; 2) estabelecer sistemas de proteção social; 3) fortalecer o respeito a normas internacionais; e 4) estimular o diálogo social.
Sem dúvida é indispensável destacar os pontos acima formulados, que serviram de fundamento ao Pacto Mundial para o Emprego, cabendo a cada um dos signatários adequar estes aspectos, evidentemente, às circunstâncias de cada país e ao nível de desenvolvimento das políticas públicas do trabalho. São eixos que tem norteado a atuação da Organização Internacional do Trabalho, cuja reafirmação revela coerência e firmeza de propósitos do mandado que lhe foi confiado.

03 agosto, 2009

Em tempos globais, um "novo" local: a Ford na Bahia

Autora: Angela Franco* 

O artigo analisa a dinâmica da Região Metropolitana de Salvador (RMS) a partir da implantação da Ford, discutindo a perspectiva do 'lugar' (a periferia metropolitana), dentro de uma relação assimétrica com os negócios globais na era da flexibilidade. O texto caracteriza o complexo Ford de Camaçari a partir da reestruturação produtiva e das mudanças na organização e funcionamento dos territórios e, na segunda parte, seus impactos sobre a periferia metropolitana de Salvador. Na conclusão demonstra que as mesmas circunstâncias que permitiram a vinda da montadora para Camaçari constrangem as ambições originais de melhor equacionamento entre crescimento econômico e progresso social: a flexibilidade dos novos arranjos, que tornam os espaços periféricos estratégicos, compromete o "enraizamento" do investimento; a "produção enxuta", exígua de emprego e diligente na sua precarização, inibe os benefícios sociais.

Arquiteta. Doutora em Arquitetura e Urbanismo pela UFBA. Professora da Universidade Salvador - UNIFACS. Rua: Félix Mendes, 18. Cep: 40.100-020. Garcia - Salvador - Bahia - Brasil.

Íntegra do texto aqui

Citações ao artigo de 

  • TEIXEIRA, Francisco L.C. e VASCONCELOS, Nilton. Mudanças estruturais e inovações organizacionais na indústria automotiva. Conjuntura & Planejamento, Salvador, n. 66, nov. 1999. (Edição especial: O setor automotivo na Bahia).

"Sendo um modelo em "fazimento", caracteriza-se por um elevado grau de experimentalismo, para o que os locais periféricos têm sido úteis, suscitando mudanças a todo o momento e implicando uma tensão permanente, sentida por todos os envolvidos no processo. Em geral, a busca por inovações tem promovido uma radicalização da estratégia japonesa, levando-a às últimas consequências como um "princípio permanente de tensão, que tem como objetivo [...] conseguir, na empresa, a internalização da gestão da mudança" (Coriat apud Teixeira; Vasconcelos, 1999, p. 18).

Na mesma direção, mas deixando entrever o comando das montadoras na externalização de atividades, Teixeira e Vasconcelos (1999) interpretam que as empresas automobilísticas

... estão tentando seguir uma linha que as transforma de fabricantes de veículos em vendedores de serviços de consumo

[...] a esta integração para frente, corresponde uma retirada dos segmentos a montante: as empresas estão vendendo suas próprias fábricas de autopeças de acordo com a tendência de se desvencilharem, cada vez mais, das atividades diretas de produção

(Teixeira e Vasconcelos, 1999, p. 18).

Tais arranjos combinam uma estratégia de terceirização com a exigência de coabitação de fornecedores e montadoras. A terceirização, por sua vez, alcança tanto as tarefas quanto a propriedade de ativos (Sako, 2006). A variedade desses arranjos, portanto, resultaria de diferentes padrões de propriedade de ativos, de intensidade e diversidade da terceirização de tarefas e do grau de proximidade das operações dos fornecedores de autopeças e módulos com a dos fabricantes de veículos. O Complexo Ford, de Camaçari, ocuparia uma posição intermediária entre os arranjos de Resende e Gravataí.10 Tal variedade traduziria, também, diferentes possibilidades de combinações de estratégias corporativas com políticas governamentais locais, dentre as quais subsídios e incentivos que implicam a transferência de ativos para as empresas. (Teixeira; Vasconcelos, 1999; Sako, 2006; Abreu; Beynon; Ramalho, 2006)

Apesar dessa variedade, todos os novos arranjos produtivos buscam diminuir custos e flexibilizar o risco do investimento. Ao operar um condomínio industrial - o caso da Ford é exemplar -, a montadora não está apenas firmando contratos de fornecimento, mas também compartilhando os investimentos necessários com seus parceiros e, sobretudo, dividindo os riscos do empreendimento. Assim, "... torna-se mais fácil descontinuar o projeto e reiniciá-lo em qualquer outra parte do mundo, caso as condições locais não permaneçam favoráveis" (Teixeira; Vasconcelos, 1999 p. 23). "