22 setembro, 2006

Motivações e Sobrevivência em Empreendimentos Solidários









III Encontro Internacional de Economia Solidária Trabalho na sociedade contemporânea

Motivações e Sobrevivência em Empreendimentos Solidários

Trabalho na Sociedade Contemporânea

Gleide L. de Souza(bolsista IC); Nilton Vasconcelos (professor pesquisador) - Centro Federal de Educação Tecnológica da Bahia (CEFET-BA)

Resumo

Este artigo aborda os desafios enfrentados por empreendimentos pertencentes ao campo da Economia Solidária para se manterem em funcionamento; bem como os fatores e motivações que permitem que seus membros os sustentem apesar de tais obstáculos. São considerados ainda alguns mecanismos de sobrevivência destes grupos associativos. A análise aqui proposta sedimenta-se em um estudo realizado em seis organizações integradas por trabalhadores de baixa renda, em sua maioria mulheres, moradoras de bairros populares da cidade de Salvador. Identificou-se inicialmente as dificuldades encontradas, que incluem a falta ou escassez de geração de renda e os obstáculos da gestão coletiva e domínio de técnicas gerenciais. Posteriormente, constatou-se aspectos que favorecem a permanência dos membros nos grupos; motivações que os animam a persistir, destacando-se os ganhos humanos e sociais; e meios encontrados pelas iniciativas para se manterem.

Palavras-Chave: Economia Solidária, Empreendimentos Solidários, Gestão, Motivação.

1. Introdução

Amplia-se cada vez mais no cenário brasileiro e mundial a discussão sobre um novo tipo de economia, fundamentada em princípios tais como a solidariedade e reciprocidade. Posta como uma alternativa de ocupação e geração de renda para trabalhadores excluídos do mercado de trabalho – para alguns, ela pode inclusive vir a substituir o modelo capitalista em vigor - a Economia Solidária abarca dentro de si diversos tipos de iniciativas, a exemplo de clubes de troca, projetos econômicos comunitários, cooperativas de crédito, de consumo e de habitação, e empreendimentos solidários, tais como empresas autogestionárias, cooperativas populares e associações. Considerando-se especificamente os empreendimentos, observa-se que estes são constituídos por pessoas de camadas humildes da sociedade que buscam uma alternativa de ocupação econômica; e objetivam a produção e comercialização coletiva regida pelos princípios desta economia.

O crescente número de iniciativas solidárias e o relativo êxito que algumas delas vêm obtendo mostram que é possível exercer uma atividade produtiva sob uma nova concepção, a de deter e gerir coletivamente os meios de produção. Ao mesmo tempo, nota-se que é um grande desafio para pessoas de origem popular romper o paradigma de exclusivamente receber e obedecer ordens, enraizado há muitos anos na sociedade do Capitalismo.

São muitos os vetores desfavoráveis à detenção dos meios de produção por tais pessoas, conforme será apontado adiante. Muitos empreendimentos parecem inviáveis economicamente, mas apesar disso se mantém em funcionamento, certos destes há considerável tempo. Esta constatação instiga o interesse em desvendar os fatores que resultam na permanência destas organizações.

2. Problema de Pesquisa e Objetivo

Este artigo visa apresentar os resultados da pesquisa “Empreendimentos Solidários: desafios e sobrevivência. A pesquisa se propôs a responder a seguinte problemática: quais fatores contribuem para que os empreendimentos populares permaneçam ativos, apesar das dificuldades enfrentadas em sua gestão?

O estudo foi desenvolvido com o intuito de detectar aspectos que favorecem a sobrevivência das iniciativas solidárias, apesar das diversas forças contrárias à sua permanência; mecanismos de sobrevivência nelas encontrados; bem como motivações que levam seus membros continuarem a mantê-las.

Entender a permanência dos grupos solidários pressupõe a compreensão de que estes obedecem a uma lógica distinta das que regem outros tipos de organizações, e diferem também destas quanto à sua finalidade. Observando-se esta afirmativa, realizou-se uma revisão de literatura acerca das particularidades da Economia Solidária e dos empreendimentos que dela fazem parte, identificando-se também as dificuldades observadas em grupos solidários, por diversos autores em estudos de caso, e ainda hipóteses por estes esboçadas para a solução do problema proposto. Este levantamento bibliográfico será apresentado, de forma sintética, a seguir.

3. Revisão de Literatura

Considerações sobre Economia Solidária

Engloba-se na Economia Solidária diversificadas vertentes de atuação que, em linhas gerais, defendem a manutenção da vida e o bem estar coletivo. Assim, são encontradas correntes que defendem a produção e comercialização agrícola responsável; a não destruição do solo e garantia das propriedades nutricionais dos alimentos; a preservação dos recursos naturais e do meio ambiente; o acesso a uma boa educação para todos; o consumo responsável e o uso de softwares livres. Tais correntes não se manifestam de forma isolada, mas são interligadas e comunicantes. Na sua dimensão econômica, a Economia Solidária combina economia e solidariedade, conceitos vistos como antagônicos que, juntos, expressam ajuda mútua, união para produzir, junção com o outro para busca da sobrevivência. Neste campo, a cooperação é diretamente o princípio organizador da economia.

Embora recente – desenvolve-se a partir da década de 1980 no mundo, e da década de 1990 no Brasil – este não se trata de um movimento novo. Possui raízes no antigo cooperativismo, fundamentado na filosofia de pensadores utópicos como Robert Owen e Charles Fourier, que aflorou por ocasião da Revolução Industrial, no Século XIX, um período de crise para os trabalhadores semelhante à que ocorre na contemporaneidade. Milhares de trabalhadores, naquela época, perderam seus empregos ao serem substituídos pelas máquinas, assim como hoje estão desempregados ou subempregados devido ao advento de novas tecnologias, que requerem cada vez menos trabalho humano, e à reconfiguração da ordem econômica capitalista (SINGER,1999).

No Brasil, os efeitos negativos das tendências mundiais se somam à herança de exclusão e desigualdades que vêm do passado. Com a abertura da economia brasileira e a conseqüente crise no mercado do trabalho, surge um “novo cooperativismo” – terminologia adotada por Singer, dentre outros autores – que abrange empresas autogestionárias, projetos comunitários e cooperativas populares. Singer (2002) aponta a cooperativa de produção (cooperativas populares) como protótipo de empresa solidária. Tais cooperativas, assim como outros empreendimentos solidários, são iniciativas populares que priorizam os valores de solidariedade e a formação educacional e cidadã dos seus membros.

Nos empreendimentos solidários, o processo de produção satisfaz principalmente as necessidades dos envolvidos na atividade produtiva de se manterem ocupados economicamente; de se sentirem inclusos na sociedade; de se relacionarem com os outros membros do empreendimento; e de obterem sustento. A lógica destas iniciativas, distinta e mais complexa do que a lógica que rege as empresas capitalistas, caracteriza-se como a “lógica da necessidade”, cuja finalidade é a geração de renda e postos de trabalho.

Desafios dos Empreendimentos Solidários

Os empreendimentos populares enfrentam grandes desafios para garantir a sua sobrevivência. Alguns pesquisadores (MOURA e MEIRA, 2002; NASCIUTTI, 2004; NUNES, 2002; BARROS, 2003) citam, dentre outros: 1) a não geração de excedentes para seus membros, que buscam renda para o sustento familiar; 2) dificuldades na contabilidade, destacando-se a falta de controle eficiente do fluxo de entrada e saída de recursos financeiros e materiais; 3) a rotatividade dos membros devido à demora nos resultados (geração de excedentes) e à atração ainda existente pela “segurança” da carteira assinada oferecida pelo emprego formal; 4) a falta de controle de qualidade dos produtos; 5) dificuldades no processo produtivo e na comercialização dos produtos; 6) a dependência gerada pela ajuda externa; e 7) dificuldades relacionadas ao processo de tomada de decisões, por ser difícil, para pessoas acostumadas apenas a obedecer, romper a barreira entre o trabalho braçal e o intelectual.

Destaca-se aí o fato de que muitos empreendimentos esparsamente geram excedentes suficientes para manter-se e para remunerar seus membros. Assim, funcionam de maneira precária. Frigotto (1999) menciona que a grande dificuldade dos grupos solidários é “[...] encontrar o caminho que viabilize essa proposta sem ser um trabalho de miséria, mas um trabalho que dignifique e que permita ganhar a vida com um nível mínimo de dignidade” (FRIGOTTO, 1999, p. 107).

Almeida (2002) aponta que é imperativa a necessidade de interação entre as organizações solidárias e as empresas capitalistas formais. Para ela, esta necessidade representa um desafio para tais iniciativas, pois enfrentam dificuldades para inserir seus produtos no mercado formal. Apesar de se constituírem outra lógica de produção e finalidade, não há para elas um mercado alternativo, regido pelos princípios e valores solidários. A autora encara o contato com o mercado formal como um mal necessário.

Do ponto de vista estritamente econômico, muitos destes empreendimentos estariam condenados à falência. No entanto, apesar das dificuldades, eles sobrevivem, alguns já por anos. A literatura aponta como provável explicação para este fato a existência de outros ganhos, não-financeiros, tais como o aumento da auto-estima; conhecimento adquirido; a conscientização dos direitos cidadãos; a ampliação da visão de mundo; e o prazer derivado do trabalho em grupo. Tais ganhos assumem tamanha importância para os membros dos empreendimentos que os levam a permanecer nas iniciativas.

Moura e Meira (2002) observaram, ao realizarem uma pesquisa em uma cooperativa popular, que os seus membros valorizavam a possibilidade de ocupação econômica fornecida pelo empreendimento, e encaravam o trabalho coletivo como mais estimulante e mais agradável. Já Barros (2003) cita a presença, em uma outra iniciativa por ele estudada, elementos como a “[...] auto-estima, a identificação com o trabalho e com o grupo produtivo, o companheirismo, além de uma noção crescente de autonomia e cidadania [...]”.

Além disso, grande parte dos empreendimentos solidários não se mantém sozinhos, dependendo em grande parte do apoio financeiro e assessoria de entidades de apoio, empresas, governo, organizações não-governamentais e entidades internacionais de financiamento de projetos populares. Levando-se em conta o exposto, desenvolveu-se o estudo de caso descrito adiante.

4. Metodologia Adotada

Com o intuito de detectar aspectos que favorecem a sobrevivência das iniciativas solidárias, apesar das diversas forças contrárias a sua permanência; e analisar as soluções que os grupos adotaram para superar seus problemas, desenvolveu-se uma pesquisa de campo em seis empreendimentos solidários da cidade de Salvador. Inicialmente buscou-se comprovar a existência de problemas de gestão nos grupos pesquisados, bem como se identificar quais seriam estes. A constatação e a identificação desses problemas não só legitima o questionamento do problema de pesquisa como tem ainda o papel de auxiliar a busca dos fatores que levam à sobrevivência das cooperativas e das soluções encontradas.

Para conduzir o estudo, foi adotada uma pesquisa do tipo exploratória qualitativa descritiva, a partir de visitas aos empreendimentos escolhidos e entrevista com seus assessores, adotando-se como ferramenta um questionário, para detectar as dificuldades, e dois roteiros de entrevista (um direcionado aos membros dos grupos, e outro voltado para os técnicos), com a finalidade de aferir os fatores que levam os grupos a permanecerem ativos. Definiu-se como amostra o número de cinco pessoas por empreendimento, dentro de um universo que variou entre seis e cinqüenta e sete pessoas. Por ocasião das visitas, realizou-se ainda a observação direta dos processos produtivos e práticas de gestão.

Os grupos selecionados para compor o objeto de pesquisa foram escolhidos levando-se em conta o tempo de existência; a distinção da origem social dos associados; a facilidade de acesso a informações referentes à cooperativa; e o fato de pertencerem a comunidades populares e serem formados por pessoas de baixa renda. Os empreendimentos pertencem a comunidades distintas e são assessorados por entidades que utilizam variadas metodologias de apoio técnico.

5. Perfil dos Empreendimentos Pesquisados

Para melhor compreensão dos resultados da pesquisa, se faz necessária a apresentação de um breve perfil de cada organização estudada. Neste perfil se inclui as dificuldades específicas observadas em cada grupo.

Coopertane

A Coopertane, fundada no ano de 2000, se ocupa da reciclagem de papel e produção de artefatos, tais como cartões, caixas e porta-retratos. Os membros são na sua totalidade mulheres, e este empreendimento funciona no porão da casa de uma delas. A formação deste grupo foi fomentada por uma Incubadora de Cooperativas, que lhe forneceu ainda cursos de capacitação e apoio na captação de recursos financeiros e materiais. Ultimamente, porém, segundo constatado nas entrevistas com as cooperadas e com a assessoria, não tem havido contato entre a cooperativa e a incubadora, ou alguma forma de apoio por parte dos técnicos. O grupo passou a desenvolver relações com outras entidades que auxiliam a gestão da cooperativa e concede esparsamente ajuda financeira. A iniciativa ainda não foi legalizada, e não recebe financiamento governamental ou privado.

O empreendimento não gera excedentes para serem distribuídos entre os cooperados. O resultado financeiro obtido é empregado para saldar despesas da iniciativa. No período, há apenas seis membros no grupo, o que desestimula o grupo e põe em risco o funcionamento do empreendimento. Entre os desafios enfrentados, aponta-se a dificuldade em padronizar e manter a qualidade dos produtos; e a falta de estrutura da sede da cooperativa.

Uniarte

A Uniarte, cooperativa fomentada pela Prefeitura de Salvador, produz e comercializa tapetes de borracha. Constituída e legalizada no ano de 2002, está localizada em um galpão cedido pela Prefeitura, que, além disso, doou o maquinário, fornece transporte dos produtos para feiras e exposições e assume o custo do fornecimento da água e energia elétrica. Inicialmente, esta fornecia recursos financeiros e materiais, os quais foram suspensos posteriormente. Vinte e três pessoas constituíram a cooperativa, mas apenas treze permanecem. Seus membros obtêm excedentes, embora escassos e irregulares.

Amevf

A Associação de Mulheres foi fundada no ano de 2001 com o objetivo de exercer um papel social dentro da comunidade na qual está inserida, principalmente no que diz respeito à promoção da valorização e profissionalização das mulheres. Exerce este papel, embora não da maneira desejada, através da realização de palestras e campanhas de saúde, ministradas pelas próprias associadas. Sua atividade econômica inclui a confecção e comercialização dos mais variados tipos de produtos artesanais e o atendimento a encomendas de doces e salgados. Não são assessoradas por uma entidade de apoio e tampouco contam com auxílio financeiro, mas eventualmente recebem auxílio material e acompanhamento de uma universidade.

Em média, a associação possui dez membros atuantes, porém este número oscila frequentemente. Há excedentes de maneira bastante precária, suficiente apenas para pagar alguns custos e despesas – muito raramente estes reembolsam o trabalho produtivo das sócias. Conta-se como dificuldades específicas o mix de produtos bastante amplo, prejudicando a continuidade da oferta e a manutenção da qualidade; e a falta de estrutura do local onde funciona a associação.

Artemãos

A Artemãos, cooperativa que produz bonecas de pano afro descendentes, se originou de um grupo de mulheres que tomavam cursos de artesanato promovidos pela ONG Vida Brasil. Em 2003, decidiram montar uma cooperativa, que no ano seguinte foi legalizada. A Vida Brasil, com o financiamento de uma entidade internacional, fornece apoio técnico, administrativo, financeiro, e de captação de recursos. Atualmente, conta com vinte e um membros.

O grupo não obtém renda da cooperativa, pois os excedentes obtidos com a venda dos produtos são utilizados para saldar pequenas despesas ou depositados em um fundo de reservas. São alguns obstáculos enfrentados no empreendimento: falhas de comunicação no grupo, conflitos freqüentes, falta de estoque, e dificuldades em cumprir o prazo da entrega de encomendas, pois os membros se ausentam bastante do trabalho.

Coopertextil

O grupo que deu origem à Coopertextil era formado por mulheres e portadores de necessidades especiais, oriundos de diversas comunidades carentes de Salvador, que participaram de uma oficina de tecelagem manual, mantida pela Prefeitura. No ano de 2004, formaram a cooperativa. A Prefeitura auxiliou o grupo na formação, legalização do empreendimento, aluguel de espaço para funcionamento, e inicialmente na captação de recursos financeiros e materiais. Com a mudança de grupo político na gestão, contudo, os cooperados afirmam que este apoio diminuiu muito.

Atualmente, há nove cooperados e dez alunos que recebem capacitação profissional em tecelagem, considerados na prática membros do grupo. A Cooperativa recebe atualmente recursos financeiros de um órgão do estado da Bahia. Aponta-se nela dificuldades em se manter regular a sua documentação, o que resultou inclusive na apreensão de uma carga de matéria-prima adquirida pelo grupo, e constantes conflitos entre os seus membros.

Caec

A Caec é tida como referência entre as cooperativas populares de Salvador, devido ao seu êxito em gerar um considerável excedente aos seus membros mensalmente; pelo seu porte; por possuir uma sede ampla e própria; e pela profissionalização das atividades produtivas e de gestão. O grupo é formado por antigos catadores do aterro sanitário de Canabrava, que montaram a cooperativa em 2002, fomentados pela ONG Pangea. Esta forneceu cursos de reciclagem, meio ambiente e cooperativismo, e atualmente presta assessoria técnica e administrativa ao grupo, atuando ainda na divulgação do empreendimento, relacionamento com clientes, captação de recursos e apoio de organizações privadas e públicas. A cooperativa funciona em horário integral, e trabalha com a coleta e comercialização de resíduos sólidos recicláveis, coletados em mais de cem pontos da cidade. Seus membros obtêm dela pouco mais de um salário mínimo.

Embora não mencionada nas entrevistas, observou-se na literatura o fato de que a Limpurb, órgão responsável pela limpeza urbana de Salvador, impõe obstáculos à Caec, a exemplo de delimitação de território e apreensão de material coletado, pois a cooperativa criada pelo órgão (Coopcicla) é a responsável pela coleta seletiva em Salvador. Assim, outras cooperativas são vistas como concorrência. Durante o estudo, notou-se que a renda gerada pelo empreendimento, embora expressiva, ainda não é suficiente para seus membros.

6. Análise dos Resultados

Na primeira parte da pesquisa de campo, detectou-se diversos problemas de gestão nos grupos pesquisados, confirmando o pressuposto da pesquisa. Algumas dificuldades específicas foram pontuadas acima; no entanto observou-se desafios comuns aos grupos. Deve-se ressaltar, contudo, que mesmo esses desafios semelhantes se apresentam em grau diferenciado, e em alguns grupos mais desenvolvidos economicamente, como a Caec, diversos deles não são encontrados.

A comercialização é o principal obstáculo nos grupos estudados, excetuando-se a Caec.. Esta tem sido a principal carência dos empreendimentos solidários, que se vêem num dilema: competir com grandes empresas no mercado formal ou empenhar grande esforço e tempo na criação de um novo espaço solidário para inserir seus produtos e serviços. Sanando-se esta dificuldade, outros problemas também seriam solucionados, tais como a escassez de excedentes.

Um aspecto a ser destacado, dentre as dificuldades observadas, é que poucos associados internalizam a condição de proprietários dos empreendimentos e não raras vezes os cooperados deixam de participar cotidianamente das atividades de gestão e do processo decisório. Em muitos casos, sequer procuram estar atualizados sobre o que se passa no grupo, conservando ainda uma cultura de transferir a responsabilidade para os diretores ou líderes. Alguns entrevistados não souberam informar, por exemplo, como é feita a prestação de contas. Em todas as iniciativas encontrou-se um pequeno grupo que toma a frente do empreendimento, que “empurra” os demais. Estas observações depõem negativamente para a caracterização destes grupos como integrantes da Economia Solidária visto que a autogestão é um dos princípios fundamentais a ser observado.

Na segunda etapa do trabalho, foram encontradas soluções para a problemática proposta. Em geral, os membros que permanecem vinculados aos grupos estiveram presentes na formação dos empreendimentos. Observou-se como resultados fatores exógenos que influenciam na sobrevivência das organizações; e dois mecanismos de sobrevivência encontrados neste tipo de iniciativa.

Fatores que Influenciam na Sobrevivência

Em geral, os membros que permanecem vinculados aos grupos estão neles desde a sua formação. Observou-se como resultados fatores externos que contribuem para que as pessoas permaneçam nos empreendimentos e outros que as motivam a se manter neles.

a) Fatores favoráveis à permanência

Os fatores favoráveis à permanência dos empreendimentos influem mais efetivamente nos empreendimentos que não geram renda para os seus membros (ou o fazem de maneira escassa), já que no caso do único grupo que obtém um rendimento regular e significativo, a Caec, o resultado financeiro obtido, embora não plenamente satisfatório, é um dos principais fatores responsáveis por manter as pessoas na iniciativa. É importante apontar que tais fatores são externos e agem independentemente da vontade dos membros, influenciando a retenção deles no empreendimento. São alguns destes fatores:

- Falta de perspectivas futuras: A ampla maioria dos membros dos grupos são mulheres com idade acima de quarenta anos, pouca escolaridade, de classe econômica baixa e/ou sem formação profissional. Com este perfil, tais pessoas dificilmente obteriam um emprego formal ou teriam condições de investir em uma atividade produtiva individualmente. Diante deste quadro, a única alternativa que estes encontram é insistir, esperando melhorias nas condições de vida.

- Outras fontes de renda: Excetuando-se a Caec, em nenhum dos empreendimentos os seus membros dependem exclusivamente da sua geração de renda. Quando há rendimentos, estes complementam o orçamento familiar. Constatou-se que as pessoas se mantêm com bolsas-auxílio concedidas pelo Governo, aposentadorias, contam com a renda de algum parente próximo, pensões de ex-marido e/ou exercem outra atividade econômica (informal) além do trabalho no empreendimento solidário. Mesmo na Caec, três das cinco pessoas entrevistadas possuem outras fontes de renda, mas neste caso a situação é inversa: estas são um complemento dos excedentes retirados do empreendimento.

b) Motivações

Em relação aos aspectos motivadores dos membros, estes podem ser encontrados em todos os grupos; porém, semelhante aos fatores que favorecem a permanência, ganham maior proeminência naqueles em que os rendimentos são precários. Tais motivações animam as pessoas a continuarem mantendo seus empreendimentos, apesar dos diversos desafios. São alguns deles:

- Expectativa de que o empreendimento venha a ter sucesso: O conceito de sucesso, para os membros dos empreendimentos pesquisados, não é meramente a obtenção ou ampliação da renda, motivação abordada anteriormente, mas engloba ainda o crescimento da cooperativa ou associação e expansão de suas atividades. Neste sentido, seriam incorporados novos membros – fato que estimularia os membros antigos, originaria mais postos de trabalho para absorver pessoas com necessidade de renda e atrairia a atenção da sociedade para os grupos, resultando isso em maior viabilidade e projeção aos empreendimentos e ao reconhecimento dos esforços empregados pelos seus membros, apesar das dificuldades.

Na Caec, cooperativa que é tida como exemplo deste “sucesso”, encontrou-se o sentimento de satisfação descrito acima entre os seus membros. Nesta fase, há agora a expectativa de se atingir mais uma etapa: segundo uma das pessoas entrevistadas, os membros desejam ser “uma grande referência, a melhor cooperativa da Bahia”.

- Abertura de novos horizontes: A participação nos empreendimentos trouxe para alguns dos seus membros novas experiências, ampliação da visão da sociedade e do seu papel enquanto cidadãos, o desejo de estabelecerem novas metas para as suas vidas e outros ganhos relacionados à vivência social. Foi mencionado que, através da iniciativa, tais pessoas tiveram acesso a lugares onde nunca estiveram, a exemplo de universidades (em cursos, palestras, e eventos) e viagens a outros estados. Diversas pessoas mencionaram que voltaram a estudar após ingressarem em seus grupos, devido ao aumento da auto-estima; e que passaram a ter consciência do seu papel na sociedade por exercer cidadania através do voto. Todos estes benefícios granjeados foram denominados no estudo de ganhos sociais.

- Ganhos não financeiros obtidos: Foram apontados diversos benefícios em se realizar o trabalho de forma coletiva. Algumas pessoas observaram que, individualmente, não teriam condições financeiras para manter um empreendimento. O trabalho coletivo foi mencionado por pessoas de quatro empreendimentos como uma “terapia”. Apenas duas pessoas, de empreendimentos distintos e por motivos diferentes, manifestarem preferir o trabalho individual, mas concordaram com os demais entrevistados que o trabalho em grupo é prazeroso e divertido. Relatou-se que, nos empreendimentos, o trabalho é mais leve, menos estressante.

Apontou-se ainda que, nos empreendimentos, alguns descobriram habilidades desconhecidas ou tiveram oportunidade de realizar trabalhos que jamais tinham tido a chance de fazer. A oportunidade de se manterem ocupados economicamente, o aprendizado, a convivência com pessoas diferentes e a auto-valorização foram amplamente citados. Estes ganhos fizeram tais membros crescerem como pessoas, e foram classificados na pesquisa como ganhos humanos.

Mecanismos de Sobrevivência

a) Soluções Encontradas

Apesar das muitas dificuldades na área da Contabilidade, os grupos encontraram algumas alternativas simples para gerenciar seus empreendimentos. No que diz respeito ao registro contábil, por exemplo, em todos os grupos há um fluxo de caixa simplificado. Em um caderno, eles anotam quanto vendem (entradas) e quanto gastam (saídas), quem vendeu os produtos e o saldo, que é dividido entre os membros como excedente. Nas cooperativas Caec e Coopertextil, estes procedimentos não se fazem necessário, já que na primeira, a parte contábil é de responsabilidade dos técnicos que acompanham o empreendimento, e em relação à segunda, há uma contadora contratada pelo grupo para efetuar tal serviço.

A metade dos empreendimentos estudados faz parte do Fórum Baiano de Economia Solidária, rede que envolve grupos, entidades de assessoria e pesquisadores da temática da Economia Solidária, promovendo discussões sobre o campo, comercialização de produtos e uma militância para a adoção de políticas públicas favoráveis ao surgimento e manutenção de organizações solidárias. A participação neste espaço de debate e ação se constitui em uma solução encontrada pelos empreendimentos para obter tanto ganhos financeiros, através de feiras e encontro, como aqueles pessoais e sociais.

b) O papel das entidades externas na manutenção dos grupos solidários

Conforme já mencionado, todos os grupos contam com algum tipo de assessoria. Há ainda a interface de alguns grupos com entidades publicas e governamentais, através de doações, por parte dessas, de recursos de ordem financeira e material, sendo tais doações captadas com o auxílio das entidades de apoio. Ambos os tipos de ajuda visam possibilitar o cumprimento do papel econômico dos empreendimentos, e colaboram para a manutenção do empreendimento. Isto se dá de maneira diferenciada em cada empreendimento.

A Caec, grupo com maior êxito em relação aos demais, por exemplo, recebe total assessoria do Pangea, e embora haja preocupação em se preparar o grupo para que seja autônomo, há ainda uma forte dependência da assessoria. Na cooperativa Artemãos, também há um apoio significativo, embora não tão abrangente como no primeiro caso.

Observa-se assim o papel de outras entidades no funcionamento dos empreendimentos solidários. As entidades que prestam assessoria, além de fornecerem apoio na área de gestão e capacitação, exercem a função de captação de recursos financeiros e materiais para manter tais empreendimentos. Empresas, ONGs e o Governo, seja municipal, estadual ou federal, colaboram fornecendo estes recursos. No caso do Governo, exerce-se o ainda o papel de proporcionar um ambiente favorável às iniciativas solidárias, através da criação de leis e programas públicos. Tais auxílios se constituem um importante suporte para que os empreendimentos permaneçam em funcionamento cumpram sua função econômica.

O que é fundamental destacar-se nos argumentos acima, é que nenhum grupo se mantém de forma independente. Mesmo os que não contam com assessoria para captar-lhes recursos ou com financiamento de entidades públicas e privadas recebem algum tipo de auxílio financeiro ou material; e o acompanhamento técnico e administrativo recebidos objetiva o alcance da geração ou ampliação de excedentes.

7. Conclusão

A permanência dos associados que continuam a manter a organização está relacionada à existência de meios de subsistir de outras fontes que não os recursos auferidos com a atividade econômica do empreendimento. Porém, mesmo tais membros prescindem de ganhos financeiros. A perspectiva de obtê-lo impele os grupos a persistirem, porém a escassez de excedentes, caso se prolongue, se constitui uma grande ameaça à sobrevivência dos empreendimentos.

Constatou-se, porém, que os outros tipos de resultados, sobretudo os ganhos humanos e sociais, também são importantes para manter a iniciativa funcionando. Mesmo na única cooperativa onde já se obtém uma regular renda financeira, estes são valorizados; e naqueles grupos onde não há excedentes são eles, em parte, que levam as pessoas a continuarem mantendo os empreendimentos. Junto a eles, assumem importância as expectativas que os membros continuam a manter sobre o futuro dos empreendimentos.

As conclusões obtidas nesta pesquisa não são taxativas, pois derivam de um estudo de caso de grupos distintos entre si e de outros empreendimentos solidários, e inseridos em uma determinada realidade socioeconômica. Portanto, não se pode deduzir que os mesmos fatores motivam outras iniciativas solidárias. É interessante observar, contudo, que muitas dificuldades apontadas se assemelham com aquelas encontradas por pesquisadores em seus estudos, e alguns fatores de motivação sugeridos pela literatura são condizentes com aqueles detectados nos empreendimentos. Os dados apresentados neste artigo oferecem, no entanto, maior esclarecimento sobre a realidade dos empreendimentos da Economia Solidária e sua lógica de funcionamento, e podem servir de base para estudos mais amplos e aprofundados.

8. Referências

ALMEIDA, Sandra Mara Rommel de. Construindo Alternativas de Geração de Trabalho e Renda: PRONINC – Programa Nacional de Incubadoras de Cooperativas Populares. Cadernos da Oficina Social, n. 10, Rio de janeiro: Centro de Tecnologia, Trabalho e Cidadania, 2002, 117 p. Disponível em:

Acesso em: 14 nov. 2003.

BARROS, Cleyton Miranda. Gestão de Empreendimentos Solidários. 2003, 47 f. Monografia (Bacharelado em Administração) – Centro Federal de Educação Tecnológica da Bahia. Orientador: Prof. Doutor Nilton Vasconcelos.

FRIGOTTO, Gaudêncio. A Ideologia que Embala a Galinha dos Ovos de Ouro. In: Sindicalismo & Cooperativismo. A Economia Solidária em Debate: transformações no mundo do trabalho. São Paulo: UNITRABALHO, 1999, p. 93-112.

MOURA, Maria Suzana; MEIRA, Ludmila. Desafios da gestão de empreendimentos solidários. Bahia Análises & Dados, Salvador, SEI v.12, n.1, p.77-84, jun. 2002.

NASCIUTTI, Jacyara C. Rochael. Cooperativismo Popular e Cidadania: O que a Psicologia Social e Institucional tem a ver com isso? Disponível em:

Acesso em: 10 abr 2004.

NUNES, Débora. A Construção de uma experiência de Economia Solidária num bairro periférico de Salvador. Bahia Análises & Dados, Salvador, SEI v.12, n.1, p.59-76, jun. 2002.

SINGER, Paul. Desafios à Solidariedade. In: Sindicalismo & Cooperativismo. A Economia Solidária em Debate: transformações no mundo do trabalho. São Paulo: UNITRABALHO, 1999, p. 63-76.

___________. Introdução à Economia Solidária. São Paulo: Perseu Abramo, 2002.

19 setembro, 2006

Desafios e Sobrevivência das Cooperativas Populares Estudo de Caso de Quatro Empreendimentos em Salvador




Gleide Lima de Souza, bolsista de iniciação científica do PIBIC/CEFET-BA
Nilton Vasconcelos, pesquisador do CEFET-BA

Resumo:
Este artigo é um dos produtos gerados pela Pesquisa “Cooperativas Populares: desafios e sobrevivência”, desenvolvida no âmbito do Núcleo de Estudos em Trabalho e Tecnologias de Gestão (TTG) do Centro Federal de Educação Tecnológica da Bahia (CEFET-BA). O estudo foi desenvolvido em quatro organizações que integram o campo da Economia Solidária empreendimentos associativos, em particular cooperativas populares, que se caracterizam por serem intensivas em mão-de-obra e abrigarem trabalhadores de baixa renda, em sua maioria mulheres. Nesta fase, a pesquisa teve por objetivo identificar a natureza dos desafios de gestão enfrentados por estes empreendimentos, a similaridade entre eles, as diferenças, aprofundando o conhecimento sobre eles e fornecendo subsídio ao trabalho a ser desenvolvido pela Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares do CEFET-BA.
Palavras - Chave: Economia Solidária, Cooperativismo Popular, Gestão Social.


Introdução

A cada dia a Economia Solidária se expande pelo Brasil, atraindo a atenção da sociedade, do Governo e da mídia. Ela se constitui num modelo alternativo de produção e consumo, baseado na cooperação e na solidariedade, tendo como objetivo essencial a sobrevivência e a manutenção da vida, traduzindo-se também uma forma particular de relações humanas. A Economia Solidária vem se articulando em redes cujo crescimento suscita cada vez mais o interesse de pesquisadores, quanto às suas especificidades e dinâmica de funcionamento.

Apesar do apoio técnico e, eventualmente, financeiro, dispensado por organizações não governamentais, instituições universitárias, movimentos sindicais e outras instituições da sociedade civil e do Estado, muitos dos empreendimentos que integram a Economia Solidária, principalmente aqueles formados por pessoas de baixa renda, encontram dificuldades para se manter. Essas dificuldades resultam de fatoresdiversos, a exemplo do baixo nível de instrução decorrente da própria classe social da qual se originam, do baixo nível de escolaridade dos seus membros, da falta de domínio tecnológico, etc.

Neste artigo, são abordados os resultados parciais da pesquisa “Cooperativas Populares: desafios e sobrevivência”. Para tanto, inicialmente, é feita uma breve revisão de literatura sobre a temática da economia solidária e algumas particularidades dos empreendimentos solidários, em especial das cooperativas populares - foco da pesquisa. Após as considerações de ordem metodológica, na terceira parte do trabalho, será traçado um perfil de cada empreendimento estudado. Por fim, apresentam-se os resultados parciais da pesquisa - um relato dos principais problemas encontrados.

O conhecimento adquirido nas pesquisas desenvolvidas pela linha de pesquisa “Gestão de empreendimentos solidários” do Núcleo de Estudos em Trabalho e Tecnologias de Gestão se constituem em subsídio à ação da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares do CEFET-BA.

Considerações sobre a temática da pesquisa

Apesar de ter raízes em fenômenos antigos, como, por exemplo, o Socialismo Utópico do Século XIX (LECHAR, 2002), a Economia Solidária, com as características atuais, surge no mundo, a partir da década de 1980 e, aqui no Brasil, na década de 1990.

Enquanto movimento social, a Economia Solidária é fruto da reação de segmentos sociais expostos ao crescente desemprego e à exclusão social. É uma articulação legítima da sociedade com vistas a solucionar seus problemas. Enquanto campo de estudos específico das ciências sociais aplicadas tem suscitado discussões conceituais, inclusive sobre o termo mais adequado para referir-se a este fenômeno. Assim, neste texto considera-se que os termos “Economia Solidária” ou “Socioeconomia Solidária” exprimem os ideais desta forma coletiva de produzir, e têm sido utilizados por diversos pesquisadores (FRANÇA, 2002; SINGER, 2000; KRAYCHETE, 2000; BARROS, 2003; NUNES, 2002; LISBOA, 2003; LECHAR, 2002; MEIRA E MOURA, 2002).

Como sugere o nome, a Economia Solidária combina economia com solidariedade, palavras antagônicas que juntas expressam ajuda mútua, união para produzir, junção com o outro para busca da sobrevivência. De acordo com Moura e Meira (2002), este termo sintetiza um conjunto de experiências de empreendimentos democráticos e autogestionários, que são construídos como alternativa ao desemprego e modelo alternativo ao Capitalismo. Entre esses empreendimentos estão empresas autogestionárias, clubes de troca e cooperativas populares.

É sobre essas últimas que repousa o interesse da pesquisa. A terminologia “Cooperativas Populares” surgiu em 1995, juntamente com a criação da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares (ITCP) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (LECHAR, 2002; ALMEIDA, 2002). Atualmente, porém, existem cooperativas desta natureza que não são vinculadas às ITCPs, e o que as diferencia das cooperativas tradicionais é que estas dão mais ênfase à democracia, à solidariedade, à autogestão, além de terem o trabalho como principal fator de produção. Essas cooperativas são integradas em sua maioria por mulheres acima dos 40 anos de idade, que nunca trabalharam ou estão desempregadas, e muitos dos seus membros não possuem uma profissão. São pessoas, em geral, de baixa escolaridade e baixa renda.

Devido especialmente a essas características, as cooperativas populares enfrentam grandes desafios para garantir a sua sobrevivência. Alguns pesquisadores (MOURA E MEIRA, 2002; NASCIUTTI, 2004; NUNES, 2002; BARROS, 2003) destacam como principais desafios nos empreendimentos por eles pesquisados: a) falta de geração de excedentes para seus membros, que buscam renda para o sustento familiar; b) dificuldades na contabilidade; c) falta de controle eficiente do fluxo de entrada e saída de recursos; d) rotatividade dos membros em conseqüência da demora nos resultados (geração de excedentes); e) carência de controle de qualidade dos produtos; f) dificuldades no processo produtivo; g) na comercialização dos produtos; e i) na dependência de ajuda externa.

Almeida (2002) aponta a dificuldade das cooperativas em inserir seus produtos no mercado formal, pois, apesar de se constituírem outra lógica de produção e finalidade, esses empreendimentos têm que competir com empresas capitalistas tradicionais, já que não há um mercado alternativo, regido pelos princípios e valores solidários.

Observa-se, entretanto, que esses empreendimentos ainda assim sobrevivem, alguns já por anos. Do ponto de vista estritamente econômico, muitos estariam condenados ao fracasso. Porém a literatura aponta a existência de outros ganhos cuja contabilidade formal não registra, tais como, o aumento da auto-estima e o fato de ser mais prazeroso o trabalho em grupo. Este trabalho foi desenvolvido com o intuito de identificar quais fatores contribuem para que as cooperativas populares permaneçam ativas, apesar das dificuldades enfrentadas em sua gestão. Além de se comprometer a detectá-los, a pesquisa pretende, também, analisar as soluções que os grupos adotaram para superar seus problemas, especialmente no que se refere às ferramentas de gestão.

Procedimentos metodológicos

Para selecionar os empreendimentos cooperativos a serem estudados, tomou-se por base um levantamento inicial de 16 cooperativas de Salvador e interior da Bahia. Foram adotados como critério para a composição da amostra os grupos com maior tempo de existência e distinta origem social dos cooperados, apoiados por entidades que utilizam variadas metodologias de apoio técnico, e diferentes ramos de atividade produtiva desenvolvida.

Assim sendo, a pesquisa foi desenvolvida junto às seguintes organizações: Cooperativa Múltipla União Popular dos Trabalhadores de Tancredo Neves (COOPERTANE), fundada em 2000; Associação de Mulheres do Engenho Velho da Federação (AMEVF), criada em 2001; Cooperativa das Costureiras do Parque de São Bartolomeu (Cooperconfec), constituída em 2002, e a Cooperativa de Tapetes UNIARTE, formada em 2002.

Observe-se que entre os empreendimentos considera-se uma Associação de Mulheres, que embora tenha um formato jurídico legal diferenciado possui características de uma cooperativa e enfrenta problemas semelhantes, integrando o campo do associativismo econômico.

Assim, realizou-se uma pesquisa do tipo exploratória qualitativa descritiva nos empreendimentos escolhidos, dividida em duas etapas. Na primeira parte do estudo, aplicou-se um questionário baseado nos problemas de gestão descritos pelos autores já referenciados, a partir da descrição da gestão desenvolvida por empreendimentos. Na segunda parte, ainda em andamento, estão sendo realizadas entrevistas semi-estruturadas com alguns membros dos grupos e com os assessores responsáveis pelo apoio técnico às iniciativas. Ambos os instrumentos utilizados foram submetidos a um teste-piloto, e depois dos devidos ajustes, adotados.

Cada grupo foi visitado por três vezes, exceto a COOPERCONFEC, cooperativa visitada duas vezes. Estas visitas se iniciaram no mês de Abril, e ainda estão sendo feitas. Os empreendimentos são bastante heterogêneos, inclusive quanto ao grau de aproximação com o Fórum Baiano de Economia Solidária que busca congregar os empreendimentos em torno de reivindicações comuns, observando-se que duas das cooperativas estudadas (COOPERCONFEC e UNIARTE) não possuem nenhuma vinculação com o Fórum.

As visitas não foram estritamente para aplicar o questionário e fazer as entrevistas, mas também para conhecer as origens e o cotidiano de cada empreendimento. Durante a pesquisa de campo, desenvolveram-se laços fraternais com os membros de alguns desses empreendimentos que, apesar de não intencionais, favoreceram o estabelecimento de um clima de naturalidade, podendo-se coletar dados mais confiáveis e espontâneos. O trabalho de campo incluiu, ainda, a participação em reuniões e eventos do Fórum Baiano de Economia Solidária, bem como no curso de Viabilidade Econômica organizado por professores vinculados à Universidade Católica do Salvador - UCSal.

Perfil dos empreendimentos

A COOPERTANE é uma cooperativa localizada no bairro de Tancredo Neves, que se ocupa da reciclagem de papel, e com eles produzem-se também artefatos, tais como cartões, caixas e porta-retratos. Os seus membros são todas mulheres, e este empreendimento funciona no porão da casa de uma delas. A formação deste grupo foi fomentada pela Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares da Universidade Estadual da Bahia (ITCP/UNEB), mas, segundo apurado nas entrevistas com as cooperativadas, não tem havido contato ou alguma forma de apoio por parte de técnicos daquela Universidade. Atualmente, desenvolvem relações com a Agência de Desenvolvimento Solidário (ADS), entidade filiada à CUT, e com a Associação de Fomento à Economia Solidária BANSOL.
A Associação de Mulheres do Engenho Velho da Federação - AMEVF está instalada em uma casa simples, de quatro cômodos e alugada, no final de linha do Engenho Velho da Federação. Seu caráter associativo foi herdado de uma Associação de Moradores da qual a maioria de seus membros fundadores fazia parte. No espaço da sede são expostos os diversos produtos das artesãs, tais como roupas e acessórios de crochê, velas artesanais e flores. As atividades do grupo incluem o atendimento a encomendas de doces e salgados e a organização de cursos sobre confecção de produtos artesanais, ministrados pelas próprias associadas. A AMEVF exerce ainda um papel social dentro da comunidade em que está inserida, através da promoção de campanhas de saúde e incentivo à profissionalização das mulheres.
A UNIARTE, mais conhecida como a Cooperativa de tapetes, é localizada em um galpão da Casa do Trabalhador, cedido pela Prefeitura de Salvador, no bairro de Fazenda Coutos. A Prefeitura também doou os maquinários e fornece água e energia elétrica, além de ter fomentado o surgimento da iniciativa, a partir de um curso oferecido à comunidade sobre confecção de tapetes de borracha. Depois deste curso, 23 pessoas aceitaram a proposta de formar uma cooperativa. O empreendimento produz tapetes, descanso de panelas e sandálias, todos em borracha colorida. A Cooperativa é formada, em sua maioria, por mulheres - há apenas um homem, que exerce a função de vice-presidente. Seu funcionamento, apenas durante a parte da manhã, permite aos membros exercerem outra atividade econômica no turno livre.
A COOPERCONFEC é uma cooperativa de costureiras localizada no térreo de um sobrado, na entrada do Parque São Bartolomeu. O prédio tem uma boa estrutura, e logo à entrada vêm-se várias máquinas de costura, inclusive industriais. A coope-rativa produz confecções em geral, é integrado apenas por mulheres, e conta com o apoio de um orientador do Centro de Estudos Sócio Ambientais (PANGEA), que ministra cursos de cooperativismo e fornece assessoria na área administrativa.
O empreendimento mantém uma loja num shopping localizado no centro de Salvador, onde são comercializados alguns de seus produtos. O grupo possui, também, clientes de grande porte, incluindo a empresa de telefonia que financia o projeto da cooperativa. Nas visitas realizadas, as costureiras estavam produzindo em ritmo acelerado, para atender à demanda de dois destes clientes.
Resultados parciais

A primeira fase da pesquisa teve como objetivo identificar o grau de desenvolvimento da gestão de empreendimentos associativos com finalidade econômica, com destaque para as cooperativas populares. Em geral, foi observada uma grande uniformidade quanto à natureza dos problemas de gestão, tomando-se por base aspectos pré-selecionados.

A Figura 1 apresenta um quadro comparativo elaborado a partir das entrevistas e observações desenvolvidas junto aos grupos já mencionados. Estes “gargalos” de gestão podem ser desdobrados a partir das particularidades de cada empreendimento. A AMEVF, por exemplo, enfrenta problemas em definir o seu mix de produtos, já que oferece uma gama muito diversificada.

Também a inexistência de sede própria foi apontada como um problema por dois grupos, seja em função da sua inadequação às necessidades, seja pelo compromisso mensal do pagamento do aluguel, como é o caso da AMEVF, ou, ainda, pelo valor simbólico que representa a posse de um espaço físico próprio do grupo representa para a COOPERTANE, por exemplo, a idéia de sucesso e concretização do trabalho.

Além da rotatividade, anotada em todos os grupos estudados, a redução dos membros é um fator de preocupação para a COOPERTANE, restringindo a capacidade produtiva, dificultando a estruturação da administração. Esta situação, entretanto, não indica uma tendência para a descontinuidade deste empreendimento. As entrevistas com as cooperadas apontam a “segurança da carteira assinada” oferecida pelo emprego formal, como um importante fator que concorre para o afastamento das atividades da cooperativa. Problema este considerado comum nos empreendimentos solidários, de acordo com Nasciutti (2004).

No decorrer dos trabalhos de campo, observou-se uma redução do número de membros da COOPERTANE. Originalmente, o grupo era constituído por 36 pessoas, e já haviam se afastado sete membros. Nos últimos meses, contudo, o número de pessoas em atividade passou de 13 pessoas para apenas 6 mulheres.

Conflitos, principalmente em relação à divisão dos excedentes são observados na COOPERCONFEC, e ainda problemas mais “avançados” quando comparados aos demais empreendimentos, a exemplo das dificuldades em se relacionar com os clientes; necessidade de se tornar auto-sustentável, sem depender de apoio externo; e de aumentar os excedentes dos seus membros. A remuneração, embora exista de forma regular, ainda é considerada pouca por alguns, motivo de desistirem de fazer parte do grupo. O desenvolvimento da pesquisa junto a esta cooperativa foi dificultado por um “problema” que a maioria destes empreendimentos gostaria de enfrentar: faltava disponibilidade de tempo, pois as com entidades universitárias ou tradicionalmente fomentadoras do empreendedorismo solidário, não contando atualmente com um suporte técnico ou administrativo. Ainda assim, o apoio concedido pela Prefeitura de Salvador é indispensável ao funcionamento da cooperativa. A despeito destas características particulares, em geral, são observados nesta organização os princípios do cooperativismo popular, e o perfil dos seus membros é semelhante aos de outros grupos associativos.

Considerações finais

A primeira etapa da pesquisa comprovou a existência de problemas de gestão típicos daqueles anunciados pela literatura sobre o tema, observados em todos os empreendimentos pesquisados, estando estes problemas de gestão relacionados a diferentes estágios em que se encontram os grupos, a sua origem e o nível de ajuda recebido. O baixo desempenho na comercialização dos produtos, armazenamento e controle do estoque se constituem em desafio para três dos empreendimentos. Efetivamente, apenas uma organização, a COOPERCONFEC, se encontra em um estágio mais desenvolvido, embora continue extremamente dependente de apoio externo para viabilizar o gerenciamento nos mais variados aspectos.

Esta situação suscita a discussão sobre a sustentabilidade dos empreendimentos associativos ou cooperativos, e indica às entidades de apoio e incubadoras de cooperativas a necessidade de encontrarem saídas para o processo de desincubagem, evitando que estes empreendimentos sigam permanentemente dependentes.


Referências

BARROS, Cleyton Miranda. Gestão de empreendimentos solidários. 2003, 47 f. Monografia (Bacharelado em Administração) Centro Federal de Educação Tecnológica da Bahia. Orientador: Prof. Doutor Nilton Vasconcelos.

FRANÇA FILHO, Genauto Carvalho de. Terceiro Setor, Economia Social, Economia Solidária e Economia Popular: traçando fronteiras conceituais. Bahia Análises & Dados. Salvador: SEI v.12, n.1, p. 25-34, jun. 2002.

KRAYCHETE, Gabriel (Org.). Economia dos Setores Populares: entre a realidade e a utopia. Petrópolis: Vozes; Rio de Janeiro: 2000. p. 91-131.
LECHAR, Noëlle Marie Paule. As raízes históricas de Economia Solidária e seu aparecimento no Brasil. Anais: Seminário das Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares, 2., 20 mar. 2002, Campinas. Disponível em:. Acesso em 29 nov. 2003.
LISBOA, Armando de Melo. Os desafios da Economia Popular Solidária. Disponível em: . Acesso em: 29 nov. 2003.
MOURA, Maria Suzana; MEIRA, Ludmila. Desafios da gestão de empreendimentos solidários. Bahia Análises & Dados. Salvador: SEI v.12, n.1, p.77-84, jun. 2002.
NASCIUTTI, Jacyara C. Rochael. COOPERATIVISMO POPULAR E CIDADANIA: O que a Psicologia Social e Institucional tem a ver com isso? Disponível em: Acesso em: 10 abr 2004.
NUNES, Débora. A Construção de uma experiência de Economia Solidária num bairro periférico de Salvador. Bahia Análises & Dados. Salvador: SEI v.12, n.1, p.59-76, jun. 2002.
SINGER, Paul. Economia dos setores populares: propostas e desafios. In: KRAYCHETE, Gabriel (Org.) Economia dos Setores Populares: entre a realidade e a utopia. Petrópolis: Vozes; Rio de Janeiro, 2000. p. 91-131.

10 setembro, 2006

A política pública e o seu processo de formulação

O caso da indústria automotiva brasileira na década de 90

Revista Bahia Análise & Dados
v. 12, n. 2, p. 125-137, setembro 2002

Nilton Vasconcelos

Resumo

Ao longo da última década podem-se destacar duas políticas públicas adotadas pelo governo brasileiro para o setor industrial e, particularmente, para a indústria automotiva: os acordos resultantes dos debates ocorridos no seio da Câmara Setorial Automotiva e a legislação que estabeleceu o Regime Automotivo Brasileiro. Duas políticas e dois procedimentos diferenciados no seu processo de formulação. Neste artigo analisam-se as duas experiências a partir de abordagens teóricas do campo da ciência política: o pluralismo e o neocorporatismo. Considera-se que a opção por distintos modelos sofreu forte influência das políticas macroeconômicas praticadas nesse período e que o arranjo neocorporatista possibilitou maior interação e negociação entre os atores sociais interessados.Palavras-Chave: Política pública, pluralismo e neocorporatismo, indústria automotiva brasileira, Câmara Setorial Automotiva,Regime Automotivo Brasileiro.

Abstract

During the last decade two public policies were adopted by theBrazilian government for the industrial sector, especially for theautomotive industry: the agreements resulting from the debatesthat took place in the Sectorial Automotive Camber and the legislation that established Brazilian Automotive Regime. Two policiesand two different procedures for their formulation process. In thisarticle, two experiences are analyzed based on the theoretical approach in political science field: pluralism and neocorporativism. The option for distinct models has suffered strong influencefrom the macroeconomic policies adopted during this period andthe neocorporatist arrangement enabled major interaction and negotiation between the interested social actors. Key words: public policy, pluralism and neocorporativism; Brazi-lian Automotive Industry; Automotive Sector Chamber; Automotive Brazilian Regime.

INTRODUÇÃO

Há aproximadamente oito anos, quando o Sr.Fernando Henrique Cardoso assumiu a Presidência da República, uma das medidas de impacto sobre o setor industrial foi o esvaziamento das Câmaras Setoriais, que, nos primeiros anos da décadade 90 do Século XX, desempenharam importante papel na formulação das políticas públicas para a indústria.

À época, difundiu-se a ideia de que o novo governo adotaria uma orientação que poderia ser sintetizada na máxima segundo a qual a melhor política industrial é a não-política industrial. Essa frase tem correspondência com a corrente de pensamento econômico que proclama ser indesejável toda interferência do Estado na economia, salvo em situações específicas em que, face à falta de perspectiva de retorno, não haja interesse do mercado em investir em determinada atividade. Visto que a política industrial se concretiza através do apoio, proteção, incentivo e estímulo a ramos e atividades econômicas, a implementação de políticas industriais seria compreendida como iniciativa potencialmente causadora de desequilíbrios econômicos ou como premiação à incompetência e restrição à elevação dos padrões competitivos das empresas locais. Assim, o esvaziamento das Câmaras Setoriais foi interpretado por vários autores como um indicativo de mudança na condução da política pública para a indústria (COMIN, 1998; BEDÊ, 1997).

Simultaneamente, decretava-se o fim da Era Vargas e da política de substituição de importações, com fundamento em um discurso que afirmava a incapacidade do setor público em atuar diretamente no mercado,ao tempo em que ressaltava a suposta superioridade do mercado. As medidas de abertura dos portos promovidas a partir do governo Collor de Mello foram incrementadas com o Plano Real, dessa vez sobretudo em função da sobrevalorização do câmbio. Reduzia-se por esses mecanismos a proteção à indústria local.

Sob a influência das concepções neoliberais, a década de 90 assistiu à redução do tamanho do Estado através dos programas de privatização, terceirização ou publicização, conforme preconizava a reforma coordenada pelo então ministro Bresser(PEREIRA, 1997). No comando da economia, o combate à inflação e ao déficit público foram priorizados. O endividamento público, considerado alto à época, em torno de 60 bilhões de reais, e a conseqüente perda de capacidade de realização de investimentos públicos eram argumentos apresentados de forma contundente pela equipe de governo para justificar o novo rumo adotado.

Contudo, a noção de que o Estado deixaria de desenvolver políticas setoriais não se sustentou durante muito tempo, sendo a indústria automobilística um palco privilegiado para esta análise.

Interessa-nos neste artigo abordar especificamente duas políticas públicas federais: os acordos resultantes da Câmara Setorial e o Regime Automotivo que corresponderam a distintos formatos de políticas públicas quanto ao seu processo de elaboração. O Regime Automotivo surge em 1995, no contexto da política de valorização cambial, e representa uma alternativa bastante distinta de elaboração de política pública quando comparada com as Câmaras Setoriais.

A Câmara Setorial Automotiva tem sido discutida por vários autores, entre os quais Bedê (1997), Zauli (1997), Arbix (1996), Anderson (1999) e Guimarães (1994), havendo uma certa unanimidade entre esses em analisar a experiência da Câmara Setorial à luz de uma abordagem teórica neocorporatista. Não existem, contudo, análises que procurem interpretar o Regime Automotivo com base na teoria do campo da ciência política a partir do qual são desenvolvidos os estudos em administração pública. Mas, a nosso ver, é a abordagem pluralista a que melhor se presta para descrever a política setorial de incentivo à indústria automobilística, que surge com a edição do Regime Automotivo.

A seguir, faremos uma breve discussão sobre cada uma dessas vertentes teóricas, de modo a facilitar a compreensão das políticas setoriais automotivas implementadas no Brasil na última década de 90.

ABORDAGENS TEÓRICAS

Pluralismo

O modelo teórico pluralista/racionalista é fundado nas idéias econômicas neoclássicas. O método neoclássico, o individualismo metodológico baseia-se na idéia de que todos os fenômenos sociais devem ser compreendidos como um produto da ação dos indivíduos e que esse comportamento individual é ‘totalmente racional’, ou seja, é movido por uma busca de maximização de benefícios. Assim, um eleitor ou um consumidor, diante de alternativas que lhe são apresentadas, escolhe aquela que acre-dita servir melhor aos seus objetivos. A formulação de políticas públicas estaria condicionada a um processo equivalente: diferentes grupos de interesses, atuando junto ao governo, procurariam maximizar benefícios e reduzir custos (LOBATO, 1997: 31).

Assim, o pressuposto do pluralismo é a existência de múltiplos grupos políticos que buscam fazer prevalecer os seus interesses. As demandas e apoios corresponderiam a insumos que seriam processados no interior de um sistema político, no qual os grupos atuam disputando entre si, numa competição entre múltiplos focos de interesses organizados. Os produtos desse processo corresponderiam às decisões, resultantes da correlação de forças existente em determinado sistema político. Teríamos, desse modo, um sistema análogo à situação de mercado de concorrência perfeita (ZAULI, 1997:20), o equilíbrio entre forças opostas” seria a garantia de uma sociedade livre, onde todos teriam acesso à vida política.

A ação dos Grupos de Interesse é, portanto, fundamental na abordagem pluralista. Segundo Almonde Powel (1972:52), o que caracteriza esses grupos é a existência de um certo número de “indivíduos ligados por laços particulares de preocupação ou de vantagens e que têm certa consciência desses laços. Assim, a articulação desses interesses é indispensável para a manutenção de uma relação estável entre sociedade e sistema político. Sem a abertura de canais de manifestação de insatisfação por grupos da sociedade, a tendência é o crescimento do descontentamento; esse crescimento pode levar à violência, o que, segundo essa concepção, representa uma quebra no desejável equilíbrio.

Diferentemente da teoria liberal clássica, os pluralistas não concebem um Estado neutro, acimados grupos. Entretanto, consideram haver um interesse público, representado pelo governo (em substituição ao Estado), neutralizando-se frente aos grupos de interesse. Mas não há uma unanimidade entre os estudiosos quanto a esse aspecto crucial. Smith (1995), por exemplo, entende que, na perspectiva pluralista, a burocracia estatal, como núcleo formulador de políticas, deve ser vista como mais um grupo de interesse. Mesmo a noção de equilíbrio quanto à capacidade de influência dos grupos de interesse sobre o Estado/governo tem sido questionada (LOBATO, 1997), admitindo-se que alguns grupos têm, naturalmente, maiores chances de fazer valer os seus interesses.

A essas interpretações pluralistas estão associadas as abordagens que concebem a intervenção do Estado na elaboração de políticas como uma oportunidade para que o comportamento dos diversos grupos políticos seja dirigido para auferir ganhos. Assim, em função da existência de algum privilégio no interior do Estado subsídios, vantagens, os agentes econômicos tenderiam a se dedicar à “captura” de alguma fatia desses benefícios (rent-seeking), criando condições para a prática da cor-rupção. Nesse contexto, os agentes de decisão(burocratas, políticos e grupos de interesse) procuram garantir uma ampliação da sua influência e poder de decisão dentro do setor público este seconstitui em um dos principais argumentos com quese tenta justificar uma posição contrária à intervenção do Estado na economia e, particularmente, aque se efetiva através de políticas industriais.

Uma outra perspectiva teórica, nesse mesmo campo, que tem como origem o pensamento econômico neoclássico, é a Teoria da Escolha Racional(TER), que se preocupa em explicar os resultados coletivos a partir da maximização da ação dos indivíduos e tenta identificar situações ideais, de equilíbrio, generalizando os resultados em axiomas, em verdades universais (GREEN e SHAPIRO, 1994).Na Teoria da Escolha Pública (TEP), com similaridade, entende-se que as organizações nada mais são que um agregado de indivíduos em busca de benefícios comuns para todos. Assim, os bens emanados dos serviços públicos devem ter seus custos mensurados e atribuídos aos seus beneficiários, sendo a análise do desempenho dos serviços públicos indispensável à permanência da ofertados bens públicos visando à racionalização dos recursos, por definição limitados e escassos (MENYE THOENIG, 1989:68-71).

A crescente influência da TER na ciência política tem sido associada aos estudos baseados na Teoria dos Jogos (2), que se propõe a contribuir para o desenvolvimento de uma teoria da ação através da geração de previsões a partir de modelos matemáticos, portadores de uma suposta universalidade. A teoria dos jogos baseia-se em um modelo de utilidade esperada, no conceito de equilíbrio e na existência de regras do jogo como fatores exógenos (MUNCK, 2000), características essas que têm motivado fortes críticas. Em primeiro lugar, porque, diante de um conjunto de escolhas possíveis, a Teoria dos Jogos pressupõe que determinados comportamentos dos atores são mais prováveis e que esses comportamentos podem ser universalizados,aplicáveis a distintas situações. Em segundo lugar, porque, para tornar viável a geração de previsões, utiliza-se do conceito de equilíbrio, condição em que é reduzido arbitrariamente o número de variáveis. A simplificação impede a geração de modelos complexos, o que jogaria por terra a possibilidade de realizar as generalizações pretendidas por essa abordagem. Por último, a terceira crítica feita à Teoria dos Jogos refere-se ao fato de que as regras do jogo, ou seja, o grupo de jogadores, suas estratégias e preferências, a seqüência de escolhas feitas por esses atores, as informações que possuem, etc. são considerados fatores exógenos, aceitos como verdadeiros previamente e não estando sujeitos a alterações constantes, portanto.

A despeito dessas limitações, Przeworski (1988)destaca a grande relevância que tem assumido o método econômico no estudo da sociedade, particularmente a ofensiva da visão econômica neo-clássica sobre as mais diversas concepções teóricas no campo das ciências políticas, da sociologia,da antropologia e da psicologia social, mesmo entre vertentes teóricas marxistas.

Neocorporatismo

No neocorporatismo, diferentemente de no pluralismo (que vê na ação e interação dos indivíduos e grupos a base para a compreensão das políticas públicas implementadas por um governo neutro e limitado), o Estado é mais um ator interagindo na sociedade com outros atores igualmente relevantes.

O neocorporatismo surge a partir dos trabalhos desenvolvidos separadamente por Philippe Schmitter e Gerhard Lembruch. Os estudos de Schmitter se firmaram em contraposição à corrente pluralista e à sua interpretação de sistemas de representação de interesses independentes do Estado e baseados na dinâmica de grupos de pressão, decorrendo da análise dos modelos de negociação típicos do Welfare State.

Schmitter (1974) define o corporativismo como um arranjo institucional, um sistema de representação de interesses, reconhecido ou autorizado, ou eventualmente criado pelo Estado, de quem recebe o monopólio da representação das respectivas categorias sociais, com vistas à articulação dessas com as instâncias de deliberação do próprio Estado. Lembruch, paralelamente, desenvolveu sua análise a partir do estudo da cooperação entre grupos de interesse na elaboração de políticas públicas, ressaltando o processo de negociação e a relativa autonomia das lide-ranças frente aos seus representados. Esse autor compreende o corporativismo como um sistema e como um processo político de intermediação e implementação de políticas processo que denominou de concertação corporatista (Arbix, 1996:87-91). Sua objeção a Schmitter é quanto à ênfase reservada por este à investigação do impacto dos arranjos corporatistas nos processos de elaboração e implementação de políticas, sem levar em conta a dimensão dos resultados desses processos.

Na análise de Claus Offe (1989) a dinâmica pluralista dos grupos de interesse tornava suas demandas excessivas, transcendendo os limites da tolerância da ordem econômica. Assim, nas sociedades capitalistas com processos democrático smais consolidados, o pluralismo cede lugar a um coporatismo do tipo societal, em que há uma institucionalização da negociação entre os interesses do capital, trabalho e Estado. Em Estados autoritários, sem experiência plena de pluralismo, de acordo com Schmitter (1974), manifesta-se um corporatismo de tipo estatal no relacionamento entre instituições públicas e sociedade civil, estando o Brasil classificado nesta tipologia. O permanente controle sobre os sindicatos, a restrição à realização de greves e a regulação da representação via concessão do monopólio, são elementos característicos de uma tradição estatal-corporativa (BOSCHI, 1987:166).

A abordagem do neocorporatismo pressupõe a existência do conflito de interesses e de classe na sociedade, mas considera que, a partir da intermediação, tais conflitos possam ser equacionados e a sua excessiva politização impedida, tornando-se os grupos de interesse (sindicatos, partidos, corporações)co-responsáveis pela elaboração das políticas. Em sua visão pragmática, Schmitter (1974) afirma que nas sociedades em que a burguesia não é suficientemente forte e existem grandes demandas sociais o surgimento do corporativismo atende à necessidade de inibir a articulação autônoma por parte de uma classe subordinada, reforçando a paz social.

Desse modo, o modelo neocorporatista, como modelo de análise de processos de intermediação de interesses, adequar-se-ia mais às sociedades organizadas do que àquelas com sistema democrático fragilizado, como no caso brasileiro (ZAULI,1997:51). Neste sentido é que Arbix, baseado nos estudos de Cawson (1985), analisa a experiência das Câmaras Setoriais numa perspectiva mesocorporatista, em que tais arranjos são restritos a setores determinados da sociedade em que haja participação dos trabalhadores.

Portanto, ganharia evidência, sobretudo, o processo de elaboração das políticas públicas, incorporando a participação da sociedade como forma de neutralizar o Estado. Ou seja, no modelo neo-corporatista, o Estado não é neutro, mas cede par-te das suas prerrogativas, delegando autoridade às representações de setores específicos para nego-ciar, junto às agências estatais, a implementação de políticas públicas. O Estado adotaria essa postura, fundamentalmente, em razão da falta de condições objetivas de impor a esses segmentos uma determinada política concebida previamente. Assim, quanto mais articulada e organizada a sociedade, mais o Estado, através das suas agências governamentais, se veria na contingência de conclamar a representação social para negociar políticas. Quanto mais “desorganizada’ a sociedade, mais autoritários os mecanismos de elaboração de políticas públicas, o que poderia variar, inclusive, em função de turbulências conjunturais.

Portanto, as abordagens pluralista e neocorporatista pressupõem sistemas de representação de interesses cuja diferença básica é a obtenção ou não do monopólio da representação por suas respectivas categorias com o aval do Estado. Ou seja,ambas as concepções teóricas consideram a existência dos grupos de interesses atuando na sociedade, sendo que a abordagem pluralista, diferentemente da neocorporatista, prescinde do Estado, ao conceber que as políticas públicas resultam da ação dos grupos políticos na defesa dos seus interesses. A suposição do pluralismo é que, em condições ditas normais, de equilíbrio, a representação de interesses dos inúmeros grupos políticos resulta em benefício para o conjunto da sociedade.

CÂMARA SETORIAL AUTOMOTIVAE REGIME AUTOMOTIVO

Nesta discussão das políticas setoriais para a indústria automotiva na década de 90 serão observados os aspectos institucionais e organizativos relacionados ao seu processo de formulação para,em seguida, elaborar-se uma análise comparativa entre essas políticas e as vertentes teóricas já discutidas.

Formalmente, a primeira experiência de câmaras setoriais no Brasil é iniciada com a publicação do Decreto no 96.056, de 19 de maio de 1988, que reorganizou o Conselho de Desenvolvimento Industrial (CDI), dando-lhe a competência para constituir, na Secretaria Especial de Desenvolvimento Industrial (SDI), organismos colegiados com representações de órgãos governamentais e da iniciativa privada, aos quais caberia elaborar propostas de políticas e de programas setoriais integrados.

Posteriormente, já no governo Collor, essas câmaras foram substituídas pelos Grupos Executivos de Política Setorial (GEPS), cujas características em muito os diferenciavam daqueles fóruns criados no governo anterior. Por último, no processo de negociação para a aprovação do Plano Collor 2, no Congresso Nacional, foram criadas pela Lei 8.178/91, de março de 1991, câmaras setoriais como instância de resolução de conflitos quanto à política de preços e assessoramento, no âmbito do Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento. Somente em agosto de 1991, uma portaria ministerial delega à Secretaria Nacional de Economia (SNE) a definição da competência e abrangência das Câmaras e a designação dos seus membros (ANDERSON, 1999).

Ao longo de 1992, não só a Câmara Setorial Automotiva é implantada como estabelece o seu primeiro acordo. Outras 28 câmaras setoriais com 135 grupos de trabalho específicos já haviam sido montados.

A composição, objetivos e funcionamento desses organismos colegiados variaram muito ao longo desses anos. Na década de 80, por exemplo, as câmaras eram compostas apenas pelo setor empresarial e governo, e os objetivos ligados à discussão de estratégias de política industrial não se concretizaram, consistindo apenas em mecanismos de troca entre Estado e as elites empresariais (ARBIX, 1996:63). Segundo Anderson (1999), nessa primeira fase das câmaras, os sindicatos não participavam das reuni-ões por entender que os objetivos do governo estavam restritos ao controle de preços e que as câmaras não tinham qualquer poder decisório, podendo apenas sugerir medidas ao Executivo. Os organismos que substituíram as câmaras, os Grupos de Executivos de Política Setorial, também não superaram os limites da discussão do controle de preços.

A configuração mais duradoura das câmaras setoriais e a que alcançou maior êxito começa a ser delineada a partir da necessidade que tem o governo Collor de administrar a saída do congelamento de preços, após o fracasso dos planos econômicos, em 1991. Dessa vez, as câmaras tinham caráter tripartite, com a participação de representantes do Ministério da Economia, dos empregadores e trabalhadores dos respectivos setores produtivos ou das entidades sindicais nacionais. A câmara setorial de brinquedos foi a primeira a funcionar, a partir de junho de 1991, com essa nova caracterização.

A câmara setorial automotiva somente seria instalada em 17 de dezembro de 1991, após um ano de grandes dificuldades para o setor, tendo o Sindi-cato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo como um dos atores que mais concorreram para a viabilização do evento. A redução dos níveis de emprego do setor, desde os primeiros meses daquele ano, e o anúncio da Ford de que fecharia a divisão de motores de sua unidade de São Bernardo, implicando a demissão de pelo menos setecentos trabalhadores, serviu de estopim para um conjunto de iniciativas do sindicato local (ARBIX,1996). Diversas medidas foram tomadas, entre as quais uma visita à direção da Ford nos Estados Unidos, com vistas à reversão da decisão da empresa, sem lograr êxito contudo. A discussão sobre o emprego e o desenvolvimento da indústria automotiva no âmbito da câmara setorial realizou-se, afinal, a partir de um contato entre o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, Vicentinho, e o ministro da Economia, Marcílio Marques Moreira, como última alternativa para uma solução do conjunto dos problemas desse segmento industrial.

Até em 1995, quando as câmaras setoriais foram esvaziadas pelo governo Fernando Henrique Cardoso, duas outras modificações, ainda que de menor relevância, foram efetivadas. Com a assunção de Itamar Franco à Presidência da República, as câmaras retornaram à órbita de poder do Ministério da Indústria, Comércio e Turismo e tiveram suas atribuições redefinidas no sentido de reforçar a concepção adotada desde a Nova Política Industrial, em 1989, e de promover acordos com vistas à reestruturação dos complexos industriais e à modernização das relações de trabalho. Em novembro de 1994, visando definir critérios para a instalação das câmaras e acompanhar o seu funcionamento, ou seja, os programas de reestruturação por elas aprovados, é criado um Grupo Interministerial Coordenador das Câmaras Setoriais (GICS). As câmaras setoriais passam a ser definidas como parte das políticas de reestruturação industrial e de estabilização e deveriam ser representativas não só dos principais agentes atuantes na cadeia produtiva, mas também dos consumidores.

Sem dúvida, foi a câmara setorial do complexo automotivo aquela que ganhou maior notoriedade,pela importância da participação do setor no produto interno e pelo peso dos trabalhadores metalúrgicos, especialmente da região de São Bernardo do Campo, no sindicalismo brasileiro. A decisão do sindicato do ABC em participar da câmara setorial representou uma mudança de estilo de atuação frente a uma nova realidade, que marcaria as relações de trabalho a partir de então.

O fim da experiência das Câmaras Setoriais está ligado às características da política macroeconômica, altamente dependente do panorama internacional, de modo que as decisões adotadas a partir de demoradas negociações viravam pó com as bruscas mudanças no quadro econômico. Comin(1998:65) destaca a dependência do Plano Real aos humores do mercado, de maneira que a marca da política econômica é a instabilidade de regras, em termos de sua subsistência, sujeita a reversões, e de timing, extremamente veloz. Neste contexto de subordinação das políticas setoriais à instabilidade da política de estabilização econômica (sic), é que se justifica a abrupta mudança das alíquotas de importação. Mudança estaque determinou um crescimento de 179% nas importações de veículos no mês de setembro de 1999,relativamente ao mesmo mês do ano anterior. Diante do novo quadro, as montadoras alteraram suas estratégias de modo a ampliar a participação dos importados no seu mix de vendas, com profundas implicações sobre os acordos estabelecidos na Câmara.

A política de redução das alíquotas de importação de veículos resulta em enorme déficit na balança comercial brasileira. Assim, em março de 1995,o governo decide pela elevação da referida alíquota de 20% para 70%. Com esta medida, busca-se alcançar um objetivo da equipe econômica de estancar o déficit no comércio internacional, especial-mente após a crise mexicana, que anunciava a possibilidade de outros países que adotaram planos de estabilização segundo a orientação do FMI serem alvos de ataques especulativos.

O Regime Automotivo

Em junho, a MP No. 1024/95 inclui novas regras para o setor, marcando, na prática, o fim da câmara setorial e uma mudança importante em termos da política econômica. O estabelecimento de cotas para importação de veículos, a redução das alíquotas de importação de peças e componentes para 2,8%,em 1996, e das de máquinas e equipamentos para 2,0%, foram algumas das medidas constantes da medida provisória. Com essas novas diretrizes, o acordo costurado na Câmara perde o sentido e a ideia de estabelecer regras negociadas amplamente por todos os atores sociais diretamente envolvi-dos se inviabiliza.

Zauli (2000:70) refere-se à ocorrência de “consultas junto a diversos atores participantes dos interesses organizados no âmbito do complexo automotivo, precedendo a edição das medidas provisórias que configuraram o regime automotivo. Essas consultas, entretanto, não envolveram todos os interesses organizados e ocorreram num primeiro momento visando legitimar sua decisão, sem muito sucesso. A partir daí, nem mesmo esta fachada é mantida (COMIN, 1998).

Um relatório do Ministério da Indústria, Comércio e Turismo, sobre o andamento das câmaras,descreve o quadro que se estabeleceu naquele momento:

"Logo após a câmara de fevereiro, iniciou-se a discussão do Regime Automotivo Brasileiro, que deveria possuir um status semelhante ao argentino, para que o Brasil pudesse assumir um nível de atratividade para novos investimentos semelhante àquele país. A discussão desse regime, que culminou com a publicação da MP 1.024, assumiu tal preponderância para a indústria, governo e trabalhadores, que a agenda representada pelo 3o Acordo ficou obscurecida, migrando para o âmbito da medida provisória a maioria das discussões e providências previstas [...]. O restante dos compromissos do acordo está agora recebendo a devida atenção, uma vez que a locação de esforços dirigiu-se, prioritariamente, à consecução daquela estratégia. Algumas outras ações isoladas foram levadas a efeito por iniciativas do MICT em articulação com outros órgãos do governo (MICT apud ANDERSON,1999:24-25)"

Estava sendo implementada uma nova forma de produzir a política setorial. Um processo mais democrático é substituído pelo pragmatismo de atender às demandas de curto prazo da política econômica. As decisões passam a ser tomadas a partir da articulação interna ao governo, predominantemente sob a ótica da política macroeconômica, e, naquele mo-mento, a prioridade era atrair investimentos de forma a equacionar o desequilíbrio das contas externas.

Como já foi salientado anteriormente, o Regime Automotivo Brasileiro começa a ser estabelecido a partir de edição de Medida Provisória reeditada dezesseis vezes, com diferentes numerações (4), ao longo dos anos de 1995, 1996 e 1997 e, finalmente, transformada na Lei No. 9.449/97.

Portanto, é correto afirmar que o Regime Automotivo constitui-se de um conjunto de medidas legais, caracterizando-se como uma política industrial. Segundo estudo do IPEA, o complexo automotivo foi o único setor industrial que contou com um conjunto amplo de políticas de incentivos após o processo de abertura econômica e o Regime Automotivo representou uma medida especialmente relevante para o governo Fernando Henrique Cardoso (IPEA, 1998).

O regime automotivo caminhou na direção oposta às concepções que propugnavam a total extinção dos tão criticados incentivos e subsídios setoriais, que se constituíram,no passado, numa das características mais marcantes da estratégia de substituição de importações. A integração competitiva do Brasil na economia globalizada não poderia se dar através da competitividade conseguida às custas de generosos incentivos, recursos naturais abundantes ou mão-de-obra barata, rezava a nova cartilha da política econômica. Porém, o regime automotivo, aliado aos benefícios concedidos por governos estaduais e prefeituras, jogaram por terra o propalado "império do mercado".

Para atender às necessidades da política macroeconômica (de que era preciso estancar a sangria de recursos com a importação de veículos e garantir a realização de investimentos no setor automotivo nacional), o Regime Automotivo Brasileiro representava o instrumento capaz de fazer frente ao Regime Automotriz Argentino, em vigência desde o início da década de 90. Era preciso consolidar o Mercosul, mas, simultaneamente, atrair parte dos investimentos que estavam sendo direcionados para aquele país vizinho.

Por isso mesmo, o Regime Automotivo do Brasil provocou reações entre os parceiros do Mercosul em uita polêmica na Organização Mundial do Comércio (OMC). No âmbito regional foi iniciada a negociação com vistas a um regime automotivo comum. Com os EUA e a União Européia a discussão foi mais dura, sendo feitas concessões pelo governo brasileiro referentes à redução de prazos de adesão e ampliação de cotas de importação, evitando que tivesse prosseguimento, na OMC,uma acusação de prática não-condizente com os acordos internacionais.

Ao Regime Geral seguiu-se o Regime Especial, voltado para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste(5). Posteriormente, foi editado o Regime de Desenvolvimento Regional, que garantiu condições especiais para a transferência de uma fábrica da Ford para a Bahia.

Câmara Setorial como arranjo mesocorporativo

Glauco Arbix, em obra já citada, que analisa os primeiros anos da Câmara Setorial da Indústria Automotiva, ao procurar demonstrar as características daquele processo, enquadra-o no campo dos estudos neocorporatistas, considerando que a experiência brasileira ilustra que o principal ator nos arranjos neocorporatistas continua sendo o Estado. Ressalta que não pretende sugerir que esses mecanismos de negociação passaram a se constituírem tendência no país e que o surgimento dessa prática indica que o Estado não teve condições de O Regime Automotivo do Brasil provocou reações entre os parceiros do Mercosul e muita polêmica na Organização Mundial do Comércio (OMC).

No âmbito regional foi iniciada a negociação com vistas a um regime automotivo comum. Com os EUA e a União Européia a discussão foi mais dura, sendo feitas concessões pelo governo brasileiro referentes à redução de prazos de adesão e ampliação de cotas de importação impor sua política para um dado setor da economia. Assim, entidades representativas e Estado não conseguiram, isoladamente, viabilizar políticas in-dependentemente do comportamento dos de mais atores. Nas palavras de Arbix, "(...) o Estado opera, em geral, de modo a proteger a acumulação do capital. No entanto, por ser distinto de um "comitê executivo da burguesia", o Estado precisa legitimara sua intervenção junto aos representantes tanto do capital quanto do trabalho (1996:108)". Na sua empreitada de analisar a experiência da câmara setorial automotiva à luz da abordagem neocorporatista, no entanto, o autor se ateve não ao interesse geral do Estado, mas à compreensão do sistema de relações de poder de uma parte do sistema estatal voltado para a produção industrial.

Zauli (1997), concordando com Arbix, considera que a qualificação analítica se afasta do modelopluralista liberal, aproximando-se do modelo corporatista societal, especificamente neocorporatista e,mais ainda, mesocorporatista (6) para a câmara automotiva, se apóia em alguns aspectos:
"Em primeiro lugar (...) tem-se um processo de intercâmbio político entre diferentes agências estatais e um número limitado de organizações de interesses não-competitivas, funcionalmente diferenciadas, em boa medida organizadas hierarquicamente e detentoras de um monopólio da representação de interesses promovido e legalmente mantido pelo Estado.
Em segundo lugar (...) o que de fato ocorreu foi a elabora-ão, implementação e sanção de políticas "quase-públicas" de recuperação do setor automotivo, que obscureceram as fronteiras entre inputs e outputs, público e “privado”, entre "Estado" e "sociedade".
Em terceiro lugar (...) as organizações de interesses que participaram de tal arranjo eram relativamente autônomas diante do Estado e estavam engajadas em um processo de negociação e compromissos de mão-dupla, em vez de sujeitas à imposição de medidas e comportamentos ditados pelo Estado.
Finalmente (...) os atores envolvidos nestas negociações estavam organizados setorialmente, e a mobilização de sindicatos, associações empresariais e agências estatais com responsabilidade sobre as políticas relevantes para o setor automotivo norteou-se pela necessidade de uma reformulação e recuperação dos indicadores de desempenho do complexo automotivo (Zauli, 1997-96-97)".

Sem dúvida, a Câmara Setorial da Indústria Automotiva, como mecanismo institucional avalizado pelo Estado e constituído de representação limitada de grupos de interesse para debater e deliberar sobre políticas públicas, pode ser enquadrada como um arranjo neocorporatista ou corporatista societal, atendendo, particularmente, ao definido por Cawson(1985) como mesocorporativismo.

Observe-se que a Câmara sobreviveu pouco mais de três anos, em meio a um processo político conturbado, atuando concomitante a três presidentes da república, um impeachment, alguns planos econômicos, particularmente o Plano Real, que marcou uma reorientação importante da política macro-econômica. Por isso mesmo, a Câmara esteve sob ameaça de descontinuidade, o que revela a precariedade do arranjo. Para reforçar esse argumento,deve-se levar em conta que, apesar de terem sido implementadas várias câmaras setoriais, poucas tiveram uma atuação efetiva e nenhuma delas obteve destaque comparável à câmara do setor automotivo. Isso reforça o caráter meso da Câmara Automotiva, coexistindo com formatos pluralistas no nível geral da sociedade.

Regime Automotivo e abordagem pluralista

Por tudo o que foi exposto, fica evidente a diferença entre os dois modos de se fazer política setorial. Zauli (1997:143) considera ter havido uma centralização de decisões sobre a política industrial do setor, frente à tendência anterior de compartilhamento com outros atores do processo de formulação e implementação de políticas. Com o Regime Automotivo, observa-se que as decisões governamentais foram tomadas visando interesses supostamente da economia e do Estado, indiferente à existência de divergências internas ao governo e entre este e as principais representações dos trabalhadores e do capital.

Como observado nos modelos pluralistas, no processo de elaboração da política setorial não há um número determinado de grupos de interesses participando do processo de negociação, os quais,assim, desenvolvem-se sem que o Estado lhes dê a chancela da representação social, sem que se institucionalize o debate sobre as várias alternativas de medidas a serem adotadas. Simultaneamente, o poder de pressão, o lobby exercido pelos atores com maior acesso às instâncias decisórias, permite que alguns desses sejam mais beneficiados que outros no entrechoque de interesses.

Comin (1998:189), ao descrever o novo processo de elaboração da política setorial, comparativa-mente ao período das Câmaras Setoriais, afirma:
"Mal havia se consolidado o novo arranjo e começa um rápido retorno aos velhos métodos de elaboração de políticas no Brasil: os acordos palacianos estabelecidos diretamente entre autoridades governamentais e os grandes interesses empresariais passam a comandar o processo, excluindo os de-mais segmentos da sociedade, trabalhadores, consumidores, pequenas empresas, etc. e mesmo do próprio Estado, Congresso Nacional, Confaz, governos estaduais, etc."

O mesmo ponto de vista é corroborado pelo movimento sindical. Ao analisar a política setorial, o Sindicato do ABC identifica entre os principais problemas a previsão de queda no nível do emprego, apesar da implantação de novas plantas, e a pioranas condições de trabalho e salários. Para o sindicato, "o governo brasileiro escreveu o novo regimes em considerar o projeto de comércio exterior discutido na Câmara Setorial Automotiva durante os anos de 1992 e 1993. Os benefícios foram dirigidos para as montadoras, e medidas de garantia para os fornecedores e trabalhadores foram retiradas"(DIEESE/SINDICATO DO ABC, 1997:6).

As montadoras aparecem, sistematicamente,como o segmento ou grupo de interesse que obteve mais vantagens junto ao Estado. Por liderar a cadeia produtiva do setor automotivo, cuja importância para a economia nacional já foi destacada,as montadoras foram beneficiadas com um tratamento, no mínimo, diferenciado.

Neste sentido, cabe destacar as conclusões da auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU, 2000),que, baseada em informações privilegiadas, obtidas em função das competências constitucionais que lhe foram atribuídas de fiscalizar as despesas públicas, concluiu que:
"as montadoras absorveram 86% da renúncia fiscal decorrente do Regime Automotivo, em 1996,1997 e 1998, privilegiando setores altamente capitalizados em detrimento de outras atividadeseconômicas e sociais;
- considerando a participação percentual no comércio internacional, em 1998, das empresas do setor automotivo, as montadoras corresponderam ao único segmento que apresentou déficit, corroborando a ideia de que o Regime favoreceu as empresas mais capitalizadas e intensivas em capital, atuando de forma a favorecer a concentração de capital;
- nos primeiros três anos do Regime Automotivo,as montadoras obtiveram a pior relação entre renúncia fiscal e exportações, quando comparadas com os segmentos de autopeças, máquinas e equipamentos agrícolas e reboques e semi-reboques;
- considerando a relação entre impostos não-pagos em função da renúncia fiscal e maquinário adquirido, são as autopeças que apresentam os melhores resultados associados à modernização do parque industrial."

A pressão política unilateral sobre o governo,fora do contexto de um debate em que os interesses do conjunto dos segmentos envolvidos fossem levados em conta, pode ser observada em diversos momentos do processo de elaboração e implementação da política setorial: na fixação de alíquotas diferenciadas para montadoras e autopeças favo-recendo a desnacionalização do setor; na aprovação do Regime Especial e do Regime de Desenvolvimento Regional; na falta de contrapartidas sociais pelos beneficiários da renúncia fiscal na forma de compromissos com geração de empregos e prática de salários próximos da média do setor; e, mais que isso, na constante ameaça de demissões em massa caso os benefícios não fossem concedidos.

Se não nos faltam elementos suficientes para classificar o Regime Automotivo como característico dos modelos pluralistas, podemos tirar esta conclusão até mesmo pelo contraponto com a prática das Câmaras Setoriais. Como explicar esta trajetória, ou seja, abandonar processos mais participativos e cujos resultados são considerados positivos,por um processo de decisão mais centralizado que tem sido avaliado com restrições pela maioria daqueles diretamente interessados no setor? Analisando as motivações para a retomada, em novas bases, das Câmaras Setoriais na era Collor, Arbix (1996) considera que aquela iniciativa correspondia a uma necessidade daquele governo de legitimar-se frente aos insucessos da sua política macroeconômica. Similarmente, podemos dizer que uma das possíveis explicações para que fosse alterado o direcionamento do processo de elaboração/implantação da política setorial no sentido de práticas pluralistas foi o relativo sucesso do Plano Real no combate à inflação. A credibilidade popular obtida pelo o governo Fernando Henrique Cardoso para conduzir a economia, independentemente de análises mais profundas sobre as conseqüências desse modelo econômico,pode ser apontada como o fator primordial para que,em nome da necessidade de adotar-se medidas que ajudassem a consolidar o Plano Real, ocorresse uma centralização de decisões na equipe responsável por conduzir a política econômica brasileira. Essa interpretação permitiria compreender a ascendência dessa equipe sobre as demais agências governamentais na definição dos parâmetros da política setorial.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pelo exposto, fica evidenciado que a análise comparativa entre a Câmara Setorial Automotiva e o Regime Automotivo resultou na observação de algumas diferenças em relação ao processo de formulação e implementação, evidenciando:
- a ocorrência de arranjo corporatista ou meso-corporatista, em que o Estado reconhece autoridade a um número limitado de representações sociais, que participam de negociações com vistas à formulação de acordo sobre a política setorial, corroborando as conclusões de diversos outros autores quanto ao caráter corporatista da Câmara Setorial Automotiva;
- que as circunstâncias que envolveram a decretação do Regime Automotivo se ajustam às concepções pluralistas segundo as quais grupos de interesses disputam de per si benefícios junto às agências governamentais, configurando um sistema de pressões sobre o governo, o qual também passa a ser interpretado como um grupo de interesse;
- que a implantação do Regime Automotivo Brasileiro (RAB) se deu através de uma ruptura coma Câmara Setorial Automotiva, não havendo consulta sistemática ao conjunto dos setores interessados, em particular à representação dos trabalhadores;
- ao contrário, a decretação do RAB correspondeu ao descumprimento de acordo que acabara de ser formalizado;
- que durante a vigência do Regime Automotivo ficou caracterizada uma condição de interlocutor privilegiado das montadoras junto às agências estatais, em detrimento dos demais segmentos sociais empenhados no desenvolvimento setorial,que possibilitou o exercício de uma maior influência nas decisões governamentais, fato este que pôde ser constatado inclusive por Auditoria do TCU, conforme relatado no capítulo terceiro (7);
- que, por outro lado, o arranjo neocorporatista permitiu uma maior democratização das discussões, definindo as Câmaras Setoriais como espaço de negociação, havendo maiores possibilidades de interferência da representação dos trabalhadores e mesmo de outros segmentos da indústria e serviços que guardam contradições com as montadoras, a exemplo da representação das empresas de autopeças, bem como concessionárias;
- que a adoção de um ou de outro formato de elaboração/implementação de políticas setoriais parece estar relacionada à necessidade do Estado de legitimar a sua ação. O assunto pôde ser analisado em dois momentos. Primeiro, quando o governo Collor precisou administrar a saída do congelamento de preços, após o fracasso dos planos econômicos, em 1991. A necessidade de apoio social à nova alternativa de política econômica proposta pelo Ministério da Fazenda levou o governo federal a negociar uma saída para a crise através de um arranjo neocorporatista, o que levou à disseminação das Câmaras Setoriais, em particular ao surgimento da Câmara Automotiva. O retorno a práticas caracterís-ticas de abordagens pluralistas, com o fim da experiência das Câmaras Setoriais, segue a mesma linha de raciocínio, mas em sentido inverso, e ocorreria no governo Fernando Henrique Cardoso. Dessa vez, a obtenção do apoio social ao combate à inflação a partir do Plano Real, sus-tentado por grande campanha publicitária desenvolvida nos meios de comunicação de massa,permitiu ao governo federal substituir os procedimentos de consulta aos segmentos interessados da indústria automobilística por métodos mais condizentes com suas necessidades. No caso específico, sendo a nova política setorial baseada em atração de capitais estrangeiros, necessários à viabilização da política macroeconômica em vigência, e considerando o quadro de vulnerabilidade econômica externa a que esta política conduziu o país, tornava-se indispensável uma flexibilidade no processo decisório. Tal flexibilidade significava dar liberdade à equipe econômica para tomar decisões, sem que fosse necessário estabelecer consultas aos setores envolvidos, o que normalmente demanda tempo e barganha política. Vale destacar para reforçar esse argumento que, nesse período, os investimentos automotivos realizados no país situavam-se entre aqueles de maior vulto em todo o planeta.

As abordagens pluralista e neocorporatista fornecem um quadro explicativo sobre a atuação de grupos de interesse na formulação das políticas públicas para o setor automotivo. Os resultados obtidos com os diferentes arranjos são compreendidos, portanto, como decorrência dos métodos utilizados, e a adoção de uma ou outra alternativa de elaboração de políticas públicas é vista como relacionada a conjunturas específicas, fortemente influenciadas pelo comportamento da economia.Importantes aspectos teóricos quanto ao pro-cesso de formulação das políticas públicas requerem melhor consideração. Vale destacar, em especial, ofato de que, historicamente, o modelo neocorporatista surge não só em contraposição ao pluralista,mas também substituindo-o, como a representação de um modelo democraticamente mais avançado.Poderíamos concluir observando que esse fato re-velaria uma manifestação de retrocesso em um aspecto do processo democrático, mas isso requer análise mais profunda. Por outro lado, afirma-se a necessidade de verificar até que ponto o conceito de neocorporatismo é aplicável à experiência das Câmaras Setoriais.

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(1) Desde 1994 a dívida pública explodiu, mais que decuplicando: em agosto de 2002, a dívida pública representava 62% do PIB ou 820 bilhões dereais.
(2) Essas teorias admitem nas situações sociais uma condição de jogo, pres-supondo duas estratégias: solidária e egoísta e de, pelo menos, dois joga-dores. A “arrumação” correspondente às possibilidades de estratégiaresulta no Dilema do Prisioneiro, Jogo da Galinha, etc. (BARRETO, 1998).
(3) A composição desses grupos não estava baseada na representação for-mal de entidades ou atores sociais relevantes; sua ação não tinha caráterdeliberativo e dependia de aceitação governamental, a posteriori, não ha-vendo, portanto, compromisso governamental de acatar as soluções pro-postas, nem tampouco agenda ou programa de negociação (ANDER-SON, 1999).
(4) Em função das inúmeras reedições dessa MP, é possível encontrar nos documentos, textos de discussão, artigos e livros, referências aparente-mente desencontradas sobre a legislação que originou o Regime Automotivo. A MP 1.024, de 13.06.95, foi reeditada com os números 1.047, 1.073,1.100, 1.132, 1.165, 1.200, 1.235, 1.272, 1.311, 1.351, 1.393, 1.435,1.483, 1.483-14, 1.483-15, 1.483-16, 1.483-17, 1.483-18, 1.483-19,1.536, 1.536-21 e 1.536-22, até ser aprovada pelo Congresso Nacional e promulgada sob o número 9.449, de 14 de março de 1997. Os decretos 1.761/95 e 1.863/96 regulamentaram alguns dispositivos estabelecidos nas MPs. 5 Teixeira e Vasconcelos (1997), em artigo para a Análise & Dados, avaliaram o Regime Automotivo Especial e a tentativa de implantação de um par-que automotivo na Bahia a partir das plantas da Ásia Motors e Hyundai.
(5) Teixeira e Vasconcelos (1997), em artigo para a Análise & Dados, avaliaram o Regime Automotivo Especial e a tentativa de implantação de um parque automotivo na Bahia a partir das plantas da Ásia Motors e Hyundai.
(6) Ver definição de mesocorporativismo na seção 2.2.3, "Neocorporativismo e neo-institucionalismo", do capítulo anterior "Pluralismo e neocorporativismo".
(7) A edição de 2 de dezembro de 2001 de O Estado de São Paulo dá conta de uma pesquisa desenvolvida pelos economistas Maria Abadia Alves e Sérgio Prado, no Instituto de Economia da Unicamp, sobre a relação entre investimentos realizados por três montadoras, no âmbito do Regime Automotivo Brasileiro, e os incentivos fiscais a elas concedidos. A pesquisa, que tomou por base a implantação da GM, em Gravataí; da Mercedes-Benz, em Juiz de Fora; e da Renault, em São José dos Pinhais (PR),concluiu que, nos dois primeiros casos, o total dos incentivos e desembolsos dos tesouros estaduais será, ao longo do período de vigência dos benefícios, superior ao investimento realizado pelas empresas. Quanto à geração de empregos, os pesquisadores calcularam que, nesses empreendimentos, o custo por emprego esteve em torno de 328 mil a 400 mil reais. Segundo o estudo, pequenos empreendedores conseguem abrir até oito postos de trabalho em três anos, com investimentos de 250 mil reais, sem nenhum subsídio. Esse trabalho, elaborado pelos pesquisadores da Unicamp, reforça os argumentos aqui desenvolvidos de que as montadoras foram amplamente beneficiadas com a política setorial vigente a partir de 1995, e que o discurso oficial sobre a geração de empregos tinha uma função de justificar perante a opinião pública a concessão dos incentivos.