07 abril, 2006

A Bahia e as contradições do seu desenvolvimento

Por  Nilton Vasconcelos* 


Após um importante crescimento econômico observado até o século 19, a Bahia e o Nordeste foram substituídos como pólos econômicos pelos estados do Centro-Sul, notadamente São Paulo

O desenvolvimento econômico estadual encerra contradições significativas, principalmente quando os dados relativos à indústria e a atividade primária são cotejados com os indicadores sociais. Tomando-se como base as estatísticas oficiais, procura-se neste texto estabelecer um nexo entre os níveis de renda, desemprego, educação da população, e o modelo de desenvolvimento econômico baseado na produção de bens intermediários.

Efetivamente, em que pese a posição de destaque do Estado da Bahia no cenário econômico brasileiro, os ganhos do processo produtivo não têm sido socializados de modo a que os baianos possam se beneficiar dos êxitos econômicos e não apenas pagar pelos fracassos da elite dominante. 
Em 2004, o crescimento do PIB baiano situou-se em torno de extraordinários 8,5%, enquanto a economia brasileira, apesar de apresentar uma grande recuperação, cresceu a taxas inferiores. Esse formidável desempenho ampliou para 5% a participação do Estado no PIB brasileiro, embora não tenha alcançado o patamar de 5,5% obtido a 20 anos atrás. O dinamismo econômico expresso no índice de crescimento do PIB nos últimos anos resulta principalmente da consolidação da indústria química e petroquímica, da expansão da fronteira agrícola do oeste, da fruticultura irrigada ao norte e da incorporação de novos segmentos ao parque industrial baiano. Há, no entanto, que estabelecer uma correlação entre os dados macroeconômicos da Bahia com uma análise mais detida sobre as características do desenvolvimento deste Estado na última década. 
Este desenvolvimento focado na produção de bens intermediários - como os produtos petroquímicos, químicos e metalúrgicos, papel e celulose; beneficiou-se da ampliação do mercado externo em detrimento do fortalecimento da indústria de bens de consumo final do Estado. Observou-se, assim, uma maior dependência do mercado exportador. A importância do setor de bens intermediários e de bens primários - dentre os quais o cacau e a soja, ambos notadamente de baixo valor agregado, contribuem para confirmar a mencionada dependência. 
Ressalte-se que a indústria fortaleceu-se por meio de investimentos pontuais, possíveis graças à concessão de subsídios e benefícios fiscais pelo governo federal, como é o caso da duplicação do pólo petroquímico e da implantação do pólo automotivo. Isto quer dizer que este novo impulso econômico não se deu em decorrência de uma dinâmica interna e sim de fatores exógenos, característica já ressaltada por trabalhos acadêmicos que abordam o desenvolvimento econômico baiano, e que tem se repetido ao longo dos últimos cinqüenta anos.
Chama a atenção, ainda, os enormes desequilíbrios entre as diversas regiões do Estado da Bahia. Ao leste, no litoral do oceano Atlântico, a Região Metropolitana de Salvador e seu entorno, é a maior responsável pela contribuição para os resultados econômicos aqui pontuados, observando-se o maior grau de industrialização do Estado. Uma segunda região, a fronteira oeste, demonstra grande dinamismo com o desenvolvimento do agronegócio, a produção de soja, café, algodão e outros produtos agrícolas. Entretanto, dois terços do território, ocupado pelo semi-árido, onde é registrada pequena precipitação pluviométrica, prevalecem uma agricultura atrasada e áreas de grande pobreza, com pequenos oásis na produção de frutas no Rio São Francisco e as áreas irrigadas na Chapada Diamantina. 
Os problemas estruturais da economia da Bahia tendem a produzir estrangulamento, revertendo a trajetória de crescimento recente, exigindo uma correção de seus fundamentos. Os indicadores sociais explicitam claramente que os frutos desse crescimento não se têm refletido em benefícios para a população baiana. O desemprego no Estado tem apresentado taxas alarmantes. As pesquisas de emprego realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE apontam ano após ano, a capital baiana com o pior desempenho entre as regiões metropolitanas pesquisadas, com taxas de desemprego bastante superiores à média brasileira. Este comportamento dos indicadores faz com que a cidade de Salvador ostente o triste título de capital nacional do desemprego. 
Os rendimentos auferidos pela maioria dos cidadãos encontram-se em patamares extremamente deprimidos. Na Região Metropolitana de Salvador, o rendimento médio real efetivamente recebido pelas pessoas de 10 anos ou mais de idade, ocupados no trabalho principal, foi, em maio de 2005, de irrisórios R$707,13 (equivalente a 290 dólares naquele mês), segundo o IBGE, consideravelmente inferior à média nacional, de R$951,21, e aos rendimentos percebidos em São Paulo, o centro mais desenvolvido, de R$1.103,35.
Segundo a Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia – SEI, em 2003, 60,8 % da população com mais de dez anos, ganhavam até um salário mínimo, o que correspondia à época a 240 reais ou oitenta dólares. Este contingente populacional, ou seja, sessenta por cento dos baianos com rendimentos, detinha apenas 22,6% de toda a renda. Na outra ponta, entre aqueles que recebem mais de 20 salários mínimos, estavam 0,7% da população, que detinham 13,0% da renda total.  
Este é o reflexo nos números da enorme concentração de renda que se observa cotidianamente. Uma análise destes mesmos indicadores referentes ao ano de 2003, mostra que os 5,1% mais “ricos” (acima de 400 dólares), apropriavam mais de 35% da renda domiciliar total gerada no Estado, enquanto os 82% mais pobres (que ganhavam até 160 dólares) detiveram apenas 41% dessa renda. Somente três estados da federação tiveram resultados inferiores a estes. De um modo geral, pode-se dizer que é uma população pobre em sua esmagadora maioria.
O desemprego e os baixos níveis de renda, somados à elevada informalidade do mercado de trabalho, têm gerado tensões sociais e o aumento da violência, principalmente a urbana, que se alastra especialmente nas capitais e periferias desses grandes centros. A taxa de homicídio de jovens entre 15 e 29 anos praticamente duplicou: saltou de 13 por 100 mil habitantes, em 1990, para 25, em 2002.
No campo educacional, apesar de ter ocorrido melhoria dos indicadores - redução do analfabetismo, aumento dos anos de escolaridade - comparativamente às outras regiões brasileiras, a situação da Bahia é grave e preocupante. A taxa de analfabetismo - 21,5% da população com mais de 10 anos de idade em 2002 - é quase 4 vezes maior que as menores taxas verificadas no País. Portanto, as desigualdades vão se aprofundando. Entre aqueles que têm maior escolaridade, com 12 anos a mais de estudo, estão somente 3,3% das pessoas com dez anos ou mais. São os universitários ou que já concluíram um curso de graduação. 
Estas desigualdades têm expressão no corte de raça e de sexo.
Na Bahia, o maior contingente de população negra e os dados revelam que o desemprego e a exclusão nas mais diversas formas atingem fundamentalmente essa população no Estado.

Considerados os paradigmas predominantes na atualidade, que tomam como ponto de partida sociedades com razoável para ótimo nível educacional e com domínio de tecnologias de informação, estes números acima descritos derrubam quaisquer perspectivas de desenvolvimento social equilibrado ou sustentável. Mesmo de um ponto de vista restrito, de mercado, os baixos níveis de renda da população não possibilitam o surgimento de uma indústria de bens de consumo que contribua para a incorporação de grandes contingentes a um posto de trabalho. Não raras vezes o desenvolvimento do setor serviços, com base na indústria do turismo, tem sido apresentado com alternativa, mas o impacto deste segmento ainda é bastante diminuto.
As contradições encerradas entre as taxas que apontam o crescimento do produto interno e os indicadores sociais, podem ser discutidas como uma conseqüência do modelo implantado pelas elites no Estado, hipótese que não afastamos. Ou seja, para um modelo econômico baseado na produção de bens intermediários, voltada, sobretudo para a exportação, a formação de um mercado interno forte, com elevação da renda e melhoria das condições de vida e acesso a bens culturais não é relevante. Naturalmente o modelo comporta outros interesses conflitantes e que podem desta forma contribuir para por fim a este quadro aqui exposto.

* Doutor em Administração Pública, pesquisador do Centro Federal de Educação Tecnológica da Bahia
Publicado em http://www.vermelho.org.br/noticia/740-1