13 agosto, 2008

Estratégia industrial e atração de investimentos










Nilton Vasconcelos

A temática da atração de investimentos industriais no setor automotivo tem freqüentado periodicamente o ambiente político e também o meio acadêmico, estimulando o debate em torno do papel das estratégias empresariais e da adequação destas estratégias às políticas públicas, que contemplam em geral benefícios fiscais e investimentos em infra-estrutura.
Assim foi há dez anos a polêmica em torno da implantação da Ford na Bahia, quando se procurou convenientemente enfatizar como decisiva a influência política dos governantes no processo, minimizando o papel da estratégia empresarial. Diferentemente, estudos acadêmicos produzidos à época procuraram interpretar a mudança da localização da fábrica da montadora, antes prevista para o Rio Grande do Sul, como resultante de uma decisão da empresa de mudar seu foco e priorizar a comercialização da sua produção no mercado da América do Norte ao invés de priorizar o Mercosul.
Relembremos que a segunda metade dos anos 90 foi marcada pelo que se convencionou chamar de segunda onda de investimentos automotivos no Brasil, com uma política industrial federal que pretendia responder às discrepâncias produzidas pela política econômica cuja valorização do câmbio resultou em enormes déficits na balança comercial. Naquela década, a produção nacional de veículos oscilava entre 1,5 milhão a dois milhões de unidades, superando a crise vivida nos anos oitenta, mas enfrentando desafios de incremento da produtividade industrial.
Naquele momento, as decisões das montadoras sobre a localização das novas plantas industriais foram fortemente influenciadas pelo que consideraram ser altos custos da mão de obra – uma referência aos acordos coletivos de trabalho negociados em anos anteriores, os quais passaram a ser desvantajosos para o patronato. Esta visão, que penalizava fundamentalmente o Estado de São Paulo, influenciou significativamente para que as novas e grandes fábricas de veículos automotivos fossem instaladas no Rio Grande do Sul (General Motors), Paraná (Renault), Rio de Janeiro (Peugeot), Bahia (Ford), entre outras. A Honda e Toyota com projetos de menor capacidade (15-20 mil veículos/ano) instalaram unidades fabris em municípios paulistas sem tradição na produção automotiva.
Este foi o pano de fundo da guerra fiscal que se estabeleceu entre os estados brasileiros na atração das novas fábricas da indústria automobilística, tradicionalmente associada à possibilidade de desenvolvimento de uma nova cadeia produtiva, de geração de empregos, e da simbologia de modernidade à qual está vinculada. Estes aspectos estimularam ainda mais os governos a ampliarem suas concessões.
Dez anos depois, o debate sobre um conjunto de investimentos automotivos volta a ocupar o cenário político, mas em condições bastante distintas. Nunca se produziu e se vendeu tantos veículos como agora. Enquanto os mercados mundiais mais importantes estão estagnados ou em queda, o Brasil se destaca ao lado de China e Rússia pelo crescimento das vendas internas. Este comportamento do mercado tem estimulado novos investimentos das montadoras em modernização, ampliação e construção de plantas industriais, destacando-se a decisão da Toyota em instalar uma unidade produtiva no país. Depois de analisar muitas alternativas, entre as quais a implantação da fábrica na Bahia, predominou a opção japonesa pelo município de Sorocaba-SP.
Entre as justificativas divulgadas ressaltam-se a proximidade do mercado consumidor e fatores relacionados à logística do fornecimento de insumos. Efetivamente, com o crescimento de 24,2% das vendas internas, devendo chegar a mais de 3 milhões de unidades comercializadas em 2008, ao tempo em que as vendas internas na União Européia caíram em 8,3%, o mercado local passou a ser destino preferencial da produção. Outros fabricantes – Volks, Ford, Mercedes e GM – já haviam anunciado investimentos na ampliação das suas unidades em São Paulo, sendo que nos centros tradicionais, em especial São Bernardo do Campo, os anúncios foram acompanhados de acordos de flexibilização de benefícios trabalhistas e carga horária.
Verifica-se, portanto, um novo quadro em que a localização das plantas automotivas voltou a privilegiar a proximidade dos grandes centros consumidores nacionais, em detrimento da prioridade nas exportações. Este novo quadro representa uma relativa perda de importância das políticas de desenvolvimento regional, bem como evidenciam o peso das estratégias empresariais em decisões desta natureza.