07 outubro, 1999

Relações de trabalho e crise

                                                                                                  Nilton Vasconcelos 

O grande problema que tem afetado a sociedade e a economia no Brasil, e em boa parte do mundo é, sem dúvida, o desemprego. Os números alarmantes que persistem em desafiar as teorias econômicas amedrontam a todos e, em particular, aqueles que sobrevivem da venda da sua força de trabalho. Já são um bilhão de desempregados n o globo, segundo estimativas da Organização Internacional do Trabalho, órgão vinculado às Nações Unidas.

Acompanha o desemprego a precarização em geral das relações de trabalho, com o crescimento do emprego informal sobre o formal, a perda de direitos trabalhistas históricos e a redução do poder aquisitivo dos salários.

As políticas governamentais estão orientadas, nos termos do discurso oficial, exatamente para essa diminuição do custo do trabalho como fomento de novas modalidades de contrato temporário de trabalho e com a suspensão do contrato de trabalho, entre outras.

Os fundamentos das políticas da chamada flexibilização das relações de trabalho é o que pretendemos discutir neste espaço. Ocorre que tais alterações no mercado de trabalho se desenvolvem no sentido oposto daquelas políticas que prevaleceram nas décadas anteriores, revelando uma visão diferenciada das diretrizes governamentais de então.

O arcabouço jurídico e institucional que norteou as relações de trabalho desde a década de trinta deste século XX, foi fortemente influenciada pelas ideias de John Keynes, que pregava a necessária intervenção do Estado na economia para romper com a grave e profunda crise que se abateu sobre a economia capitalista no início do século.

O liberalismo de Adam Smith segundo o qual a “mão invisível”  do mercado regularia as crises periódicas do capitalismo, recolocando nos eixos a economia, sucumbiu à maior das c uses até então enfrentada, cujo estopam foi  a fantástica queda da Bolsa de Valores de Nova Iorque em 1929. A intervenção do Estado era considerada por esta  corrente do pensamento econômico não apenas desnecessária, mas também danosa

Coma perda de prestigio do liberalismo, surgiu uma nova orientação em matéria de política econômica. O Estado capitalista passa a ser determinante para a da economia, sendo um fator  importante para a adoção deste caminho a necessidade de fazer frente às experiências socialistas no leste europeu. Nas décadas seguintes o capitalismo vive o seu esplendor - são os anos durados, um período de grande expansão da economia capitalista.

Este cicio se completou com a crise do petróleo nos anos 70 e uma fase de estagnação econômica dos países centrais. Segue-se, a crise de financiamento da dívida externa nos países de economia dependente, abrindo espaço para o ressurgimento do liberalismo, desta vez o neoliberalismo.

A base desta orientação continua sendo o discurso do afastamento do Estado da economia, o desmonte de todo o aparato jurídico e Institucional que pudesse, na concepção dos neoliberais, impedir o livre funcionamento do mercado. Assim, justificou-se a privatização de empresas públicas, a redução de barreiras que restringissem o comércio internacional, a eliminação de barreiras à livre circulação de capitais por todo o muno, a abdicação pelos governos de implementar políticas industriais, entre outras medidas.

Neste sentido é que também o mercado de trabalho passou a sofrer forte desregulamentação. Sob o argumento de que este mercado fora excessivamente normatizado, resultado em um “custo” do trabalho muito alto, tornava-se imprescindível a flexibilização, entendida como restrição aos mecanismos de proteção ao trabalho.

A redução dos custos de contratação e de dispensa da força de trabalho é apontada como a forma de combater o desemprego. Segundo esta lógica, é preciso impedir que interferências indesejadas alterem a dinâmica “natural” do mercado e o retorno ao equilíbrio dos fatores.

Ao que tudo indica, o fortalecimento desta abordagem teórica que hegemoniza ainda hoje o pensamento econômico, além das razões decorrentes dos problemas de financiamento do Estado, encontrou o campo fértil da crise de concepções alternativas, abaladas que foram com fim do socialismo soviético.

Duas décadas depois de começar a ser Implementado mundo afora, o receituário neoliberal enfrenta críticas e revisões frequentes, demonstra crescentes dificuldades na resolução dos problemas econômicos, especialmente o desemprego. Neste sentido, a polêmica mais-Estado versus menos-Estado evidencia-se falsa do ponto de vista da economia capitalista. O afastamento do Estado da economia, em particular do mercado de trabalho, não tem resolvido o problema do desemprego na imensa maioria dos países, tendo contribuído, isto sim, para a ocorrência de uma maior instabilidade da relação empregatícia,  agravando as possibilidades de sobrevivência dos trabalhadores à recessão.

Gazeta da Bahia. Gazeta Mercantil. Salvador, quinta-feira, 7 de outubro de 1999


Publicado no caderno Bahia do jornal Gazeta Mercantil
7 de outubro de 1999

30 setembro, 1999

A Ford e a guerra fiscal

 

                                                                                                                        Nilton Vasconcelos

Publicado na Revista Debate Sindical Edição de nº 31, de 1999





03 junho, 1999

25 abril, 1999

MUDANÇAS ESTRUTURAIS E INOVAÇÕES ORGANIZACIONAIS NA INDÚSTRIA AUTOMOTIVA


Publicado na revista Conjuntura e Planejamento N.66. SEI, Governo da Bahia. Ano 1999

FRANCISCO L. C. TEIXEIRA*
 NILTON VASCONCELOS**

A indústria automobilística mundial está passando por um profundo processo de reestruturação. Em linhas gerais, pode-se dizer que este processo é motivado, por um lado, pelo acirramento da concorrência nos principais mercados devido à entrada de novos concorrentes. Na década de 80, as empresas automobilísticas japonesas passaram a exportar maciçamente para os mercados americano e europeu, desafiando a hegemonia das três principais montadoras americanas (GM, Ford, Chrysler).

INTRODUÇÃO
A indústria automobilística mundial está passando por um profundo processo de reestruturação. Em linhas gerais, pode-se dizer que este processo é motivado, por um lado, pelo acirramento da concorrência nos principais mercados devido à entrada de novos concorrentes. Na década de 80, as empresas automobilísticas japonesas passaram a exportar maciçamente para os mercados americano e europeu, desafiando a hegemonia das três principais montadoras americanas (GM, Ford, Chrysler), e ameaçando a sobrevivência de várias congêneres européias. Ainda naquela década, as montadoras japonesas iniciaram um rápido processo de investimentos diretos nesses mercados, em alguns casos através de parcerias com suas próprias concorrentes. Já na década de 90, a entrada das empresas coreanas nessas mesmas regiões veio acirrar ainda mais a disputa pelos consumidores. O caminho das coreanas era, até a crise de 1997, o mesmo seguido pelas japonesas: os investimentos diretos foram precedidos de exportações, que se constituíram em um meio indispensável para aprender a operar nos mercados-alvo.
Por outro lado, os mercados dos países fortemente industrializados começam a apresentar sinais de maturidade ou saturação na presente década: de 1988 a 1997, a produção mundial de automóveis cresceu apenas cerca de 10% (Anfavea, 1998). Segundo The Economist (1997), a indústria automobilística

mundial convive com uma supercapacidade de produção, que tende a aumentar, atingindo uma capacidade ociosa correspondente a 22 milhões de unidades ao final do ano 2000. Neste contexto, a América Latina, assim como partes da Ásia, são mercados promissores, em vista da saturação existente na Europa e nos Estados Unidos. Por exemplo, em 1994, a relação habitantes por veículo nos EUA era de 1,3 e na Itália, 1,8; enquanto que na Argentina era de 6,0 e, no Brasil, de 10,9 (Teixeira e Vasconcelos  Jr., 1997).
O resultado de tal conjuntura mercadológica é que as empresas, tanto na Europa como nos Estado Unidos, estão lucrando com a venda de caminhões, pick-ups (comerciais leves) e serviços financeiros, mas não conseguem obter nenhuma margem no mercado de carros de passeio (The Economist, 1999). Esta situação ajuda a explicar o volume de investimentos previstos para o Brasil nos próximos anos, estimulados pela política industrial conhecida como Regime Automotivo, inclusive a instalação da Ford na Bahia.
O processo de reestruturação em curso é resultante, portanto, da tentativa das empresas automobilísticas, em escala global, garantirem ou ampliarem suas vantagens competitivas em relação aos concorrentes. Pode-se identificar dois principais movimentos no processo, implicando profundas mudanças nas estratégias competitivas. O primeiro toma a forma de fusões e incorporações: a compra da divisão de carros de passeio da Volvo pela Ford, a fusão Chrysler-Daimler e os rumores sobre a venda da Fiat são os mais recentes exemplos desta movimentação que, ao que tudo indica, resultará em um número de concorrentes cada vez menor no mercado mundial.
O outro movimento é representado pela reformulação das estratégias de produção. Pelas evidências disponíveis, as empresas automobilísticas estão tentando seguir uma linha que as transforma de fabricantes de veículos em vendedoras de serviços de consumo. A Ford, por exemplo, já é sócia da Hertz no negócio de aluguel de carros; comprou recentemente uma rede de lojas que trabalha com reparos de freios e amortecedores na Europa (KwitFix); está comprando negócios de ferro-velho (scrapyards) e expandindo nas áreas de leasing e crédito ao consumidor (The Economist, 1999). A esta integração para frente corresponde uma retirada dos segmentos a montante: as empresas estão vendendo suas própria fábricas de autopeças de acordo com a tendência de se desvencilharem, cada vez mais, das atividades diretas de produção. Comenta-se no ambiente da indústria que a Volkswagen, por exemplo, já teria definido uma linha estratégica que a levará, no médio ou longo prazos, a se transformar em uma empresa de projetos, marketing e serviços, sem atividades diretas de produção.
O objetivo deste artigo é descrever e analisar as mudanças na organização da produção que estão sendo introduzidas pelas principais montadoras em seus novos investimentos no Brasil, com especial atenção ao caso da Ford. Parte-se do pressuposto de que tais transformações são parte das estratégias brevemente descritas nesta introdução e que estão relacionadas à reestruturação em curso na indústria automobilística mundial. Inicialmente, são apresentados os novos arranjos produtivos, conhecidos como Consórcio Modular (Volks) e Condomínios Industriais (GM e Ford). Os arranjos são comparados ao sistema de “produção enxuta” (Just in time), que teve origem na Toyota. Nas conclusões, procura-se entender o significado destas mudanças na organização da produção, à luz dos novos delineamentos estratégicos que são traçados pelas grandes empresas.

AS NOVAS CONCEPÇÕES DE ORGANIZAÇÃO DA PRODUÇÃO
Para fazer uma análise das inovações organizacionais da produção automotiva no Brasil, levaremos em consideração o seu desenvolvimento frente àquelas práticas industriais tomadas como padrão mundial a ser perseguido, no caso, o sistema desenvolvido no Japão.
Entre as mudanças organizacionais da produção automotiva, sobressaem-se aquelas que visam a aproximação espacial entre fornecedores e montadora. Mais que uma estratégia de suprimento local (local sourcing), as inovações na área promovem uma profunda transformação no processo de produção, no que poderia ser visto como uma radicalização da estratégia japonesa Just in Time (JIT)1.
Coriat(1994) chama a atenção para o fato de que, normalmente, o Just in Time é entendido como uma forma de reduzir estoques e diminuir custos. O autor, no entanto, diz que Ohno insiste que se trata, fundamentalmente, de um processo cognitivo, “um princípio permanente de tensão, que tem como objetivo [...] conseguir, na empresa, a internalização da gestão da mudança (p. 173).”
Uma particularidade do sistema japonês, que influenciou decisivamente a forma de produzir no final do século 20, é a estreita relação desenvolvida entre os fornecedores e a empresa principal, seja na constituição de um grande conglomerado de empresas com participações acionárias cruzadas – os keiretsu2 -  seja no grau de exigência imposto pela empresa contratante no que se refere a qualidade, prazos e custos.
A este respeito, Coriat (1994) recorre aos trabalhos de Asanuma sobre as relações entre empresa principal e empresa subcontratada nas indústrias automobilística e da construção elétrica japonesas, desenvolvendo um quadro conceitual sobre a relação de subcontratação. As principais características do sistema de subcontratação, segundo Coriat (1994), seriam:
· uma relação de longo prazo, cuja duração é determinada por todo o ciclo de vida do produto;
· a relação é institucionalizada e hierarquizada;
· a relação contratual é objeto de processos particulares (negociações ad-hoc);
· é uma relação que favorece e ‘internaliza’ a inovação nas empresas.
Portanto, o sistema de subcontratação conduz a uma relação duradoura de compromisso entre as partes, desde o desenvolvimento do projeto, onde as montadoras desempenham um papel predominante, exigindo dos fornecedores procedimentos adequados aos seus interesses produtivos. Crescentemente, as montadoras vêm buscando terceirizar ou transferir para os fornecedores atribuições que antes eram consagradas como atividades típicas dos fabricantes de autoveículos. Consequentemente, as montadoras, cada vez mais, recebem não somente peças mas, também, componentes complexos já montados. Para se ter uma idéia, enquanto, tradicionalmente, as montadoras ocidentais trabalhavam com 1.000 a 2.000 supridores diretos, as japonesas lidam com um número que pode variar de 100 a 200. O resultado é que, enquanto na produção fordista ocidental as montadoras são responsáveis pela fabricação de 70% dos componentes que utilizam, no sistema Just in Time este número fica reduzido a apenas 30% (Prindle, 1996). Os efeitos sobre a redução de estoques e logística de produção podem ser facilmente deduzidos.
Na tentativa de fazer frente a esse padrão de competição japonesa, busca-se, hoje, nas empresas ocidentais, a estruturação de uma “cadeia totalmente integrada”, cujas características são assim sistematizadas (Zawislak, 1999):
· produção de carros mundiais com tecnologia mundial;
· atendimento dos mercados locais com produção local;
· referências globais (e não modelos fechados) para adaptação de novos arranjos produtivos regionais;
· desverticalização (montadoras transferem atividades que agregam menor valor);
· parcerias tecnológicas e produtivas ao longo da cadeia;
· desenvolvimento simultâneo de produto e processo;
· sistemas bem estruturados e ferramentas de qualidade consistentes;
· logística totalmente integrada com fornecedores.
Esta tendência à integração produtiva, num primeiro momento, traduziu-se na constituição de distritos industriais em que as empresas que formavam uma cadeia de clientes/ fornecedores, buscavam reduzir seus custos de transporte de produtos/ mercadorias, assistência técnica e manutenção industrial através de uma localização mais próxima entre elas. A política de local sourcing da Fiat, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, constitui um exemplo recente deste tipo de arranjo.
Uma radicalização de tal princípio organizacional levou à experiência da fábrica da Vokswagen no município de Resende – RJ: o Consócio Modular. Mais recentemente, a Ford e a General Motors desenvolvem projetos industriais que se colocam em posição intermediária entre os distritos industriais e o consórcio modular, denominados condomínios industriais. Nesta última categoria é que estaria enquadrada a planta industrial que a Ford pretende implantar na Bahia, o projeto Amazon.3

Consórcio Modular
O Consórcio Modular foi idealizado pelo engenheiro de origem basca José Ignácio López de Arriortúa. Conhecido por ser a figura central de rumoroso noticiário e ferrenha guerra judicial travada entre a Volks e a General Motors, foi acusado, por esta última, de espionagem industrial. O próprio idealizador não poupou elogios à sua criação: “terceira revolução industrial”, ou ainda, “substituição da linha de montagem criada por Henri Ford”, referindose à fábrica modelo que foi implementada pela Volkswagen em Resende, Rio de Janeiro, para a fabricação de caminhões.
A base do sistema é a “terceirização radical”. O fornecedor, ou parceiro, é responsável pela montagem e garantia dos “módulos de montagem”, cabendo à Volks a supervisão e teste dos caminhões e ônibus. Assim, apenas 15-20% dos empregados são da própria montadora.
Oito fornecedores participam do projeto. A Iochpe-Maxion se encarrega do chassi, sistema de freios, chicote elétrico, linhas de combustível e transmissão e caixa de direção; a Rockwell cuida dos eixos, suspensões, molas e amortecedores; a Remon fornece as rodas e os pneus montados; a MWM e Cummins se responsabilizam pelo motor, montagem de embreagem, caixa de mudanças, sistema de direção hidráulica, entre outros; a Eisenmann, pela pintura das cabines; a Tamet, pela montagem da cabine; a VDO, pelos bancos, painel, revestimentos e montagem da cabine com o chassi. A Figura 1 apresenta um diagrama do sistema.
O edifício no qual funciona a fábrica é da Volkswagen, mas cada condômino (fornecedor) é responsável pelo seu espaço, com área própria de carga e descarga, evitando o trânsito de estoques pelas áreas comuns. Um funcionário da Volks, denominado maestro ou mestre, tem acesso às áreas dos fornecedores, com a função de supervisionar a produção. Só na etapa final os demais empregados da montadora alemã participam do processo de produção, executando o teste dos veículos já montados.
Com as inovações, a Volks esperava reduzir em 20% o custo final do produto. Entre as dificuldades apontadas pelos gerentes da montadora, que se transformou em uma espécie de administradora de produção, está o ajuste entre os ‘parceiros’: empresas de nacionalidade, filosofia, mentalidade empresarial e engenharia de processos diferentes. Assim, para evitar maiores desencontros e incompatibilidades, a Volks teria procurado padronizar o que havia de mais avançado nos fornecedores em termos de software, política de treinamento e controle de qualidade.
Duas das mais conceituadas instituições de pesquisa do país, a Universidade de São Paulo e a Fundação Getúlio Vargas, desenvolvem um projeto de acompanhamento da implantação do Consórcio Modular, considerado como uma importante experiência. Entre os aspectos inicialmente relacionados para observação estavam:
· acirramento de tensões e conflitos entre montadora e fornecedores, considerados como sócios minoritários, porque não apenas fornecem módulos, como dividem riscos do investimento e passam
a ter maior participação nas decisões;
· desafio da coordenação das etapas de produção e montagem entre os fornecedores;
· os benefícios de contratos de longo prazo e acesso a mercados internacionais.
Muita especulação tem surgido sobre os resultados do ‘Consórcio Modular’. Em fins de 97, um jornal alemão noticiou, citando fontes da própria montadora, que a planta enfrentava sérias dificuldades no relacionamento com fornecedores, produzia veículos antiquados e as vendas eram mínimas. As montadoras concorrentes, em especial a Mercedes-Benz (líder no mercado de caminhões no país) e a Scania, de início, apontaram o gerenciamento da nova fábrica como um grande desafio, pois “não mais um, mas dez estariam mandando” - referência ao papel que passariam a desempenhar os novos parceiros. Um ano antes de iniciar a produção regular, o representante da Scania considerava a operação ‘difícil’, avaliando que qualquer falha poderia provocar uma interrupção da cadeia.
A experiência do Consórcio, entretanto, parece multiplicar-se, ainda que adaptada a diferentes situações. A própria Volks fez investimentos em São Carlos - SP para produzir 1.200 motores/dia, com 550 empregados, adaptando o sistema do Consórcio Modular implantado no Rio de Janeiro. A empresa espera reduzir o preço final do carro entre 10-15%, com a mudança no processo de produção de motores.
Por sua vez, a Mercedes está adotando um novo sistema de produção na fábrica de São Bernardo do Campo, inspirado no sistema Just in Time da Toyota (Gazeta Mercantil, 27/07/99). A idéia central é a redução de estoques através da criação de “supermercados” de peças no interior da planta, que se conectam com células de manufatura e/ou fornecedores diretos. Segundo a Gazeta Mercantil, com esse sistema, obteve-se, em quatro anos, uma redução dos custos com estoques de US$ 130 milhões e um aumento da produtividade em 43%. A planta é considerada a benchmark da empresa e está sendo negociada com a Chrysler como futuro padrão de produção da nova empresa resultante da fusão.
Os condomínios Os condomínios Os condomínios Os condomínios Os condomínios industriais industriais industriais industriais industriais Outras montadoras também iniciam experiências similares. A General Motors produzirá um carro de pequena potência, derivado do Corsa, com preços 20% mais baixos que os concorrentes, numa nova fábrica em Gravataí, Grande Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, a partir da utilização de um “sistema modular”. O  modelo do carro foi totalmente desenvolvido no Brasil e será produzido de acordo com um sistema inédito na empresa.
Diferentemente da fábrica de Resende, no caso da GM haverá uma separação física entre os fornecedores diretos, instalados dentro da planta, denominados sistemistas, e as instalações da própria montadora (Figura 2).
No sistema da GM, apenas um fornecedor de primeira linha não estará instalado dentro do próprio site. Permanece sob a responsabilidade da montadora um número maior de tarefas, entre elas a estamparia, que não será repassada aos sistemistas. A logística relaciona duas práticas: entrega seqüenciada e milk run4 , garantindo que a entrega de componentes na planta da GM seja feita com uma precisão de minutos.
Já o projeto Amazon, da Ford, está sendo desenvolvido nos EUA. Tomando-se por base as informações divulgadas quando do processo de instalação da fábrica no Rio Grande do Sul, o projeto também pode ser classificado como do tipo Condomínio Industrial. Contudo, algumas diferenças em relação à planta da GM podem ser observadas.
Os fornecedores diretos, denominados moduleiros, também estão localizados dentro do site, mas a disposição destes se dá em torno da instalação principal da Ford, observando-se uma maior integração entre montadora e fornecedores. Fazendo uma comparação entre o modelo organizacional do Projeto Amazon e os modelos da GM e da Volks, poder-se-ia afirmar que a Ford representa um tipo intermediário, ou seja, não há uma integração radical como em Resende, mas também não há uma separação física tão marcante como na planta da GM, como pode ser observado na Figura 3.
Um aspecto positivo do projeto da Ford, do ponto de vista da economia baiana, é que ele5 deve trazer, juntamente com a montadora, 17 fornecedores modulares, além de 15 outras empresas “satélites”, fabricantes de matérias-primas e subsistemas. Caso estes planos se concretizem, o novo complexo deve representar um novo salto na industrialização local.
No entanto, dois problemas devem ser observados. Primeiro, com o sistema, a Ford está, na verdade, dividindo o risco do empreendimento com seus fornecedores. O investimento não será bancado apenas pela montadora, mas por todo o “condomínio”. Assim, a exposição da Ford se reduz significativamente. Segundo, as fornecedoras modulares deverão ser todas, totalmente ou majoritariamente, de capital estrangeiro. Isto significa que os novos sistemas de produção contribuem para a rápida desnacionalização da indústria de autopeças brasileira, uma das conquistas negociadas quando da instalação das primeiras montadoras na década de 50.
É importante mencionar que este projeto representa, talvez, a última oportunidade da Ford na América do Sul. Depois da desastrada associação com a Volks na Autolatina, a empresa viu sua fatia de mercado se reduzir paulatinamente, alcançando, hoje, somente cerca de 8% do mercado brasileiro de automóveis. Dados seus planos de expansão global e o potencial de mercado do Mercosul, a fábrica baiana reveste-se de especial importância estratégica para a empresa, a julgar pelas mudanças que ela vem anunciando no Brasil.

CONCLUSÕES
Conforme já foi divulgado pela imprensa(6) , o Brasil tornou-se um campo de provas para os experimentos com a organização da produção das montadoras automobilísticas. Na tentativa de enfrentar a concorrência dos orientais, as empresas estão implementado projetos de produção que radicalizam os conceitos desenvolvidos e implementados, inicialmente, pelas empresas japonesas.
A busca de flexibilidade parece ser uma meta comum de todas estas inovações organizacionais. Porém, o termo flexibilidade pode ser definido de várias maneiras. Na verdade, podem coexistir diversos tipos de flexibilidade: em relação à mão-de-obra (polivalência, terceirização), em relação ao mercado (ampla linha de marcas e modelos), em relação à produção (organização celular), suprimentos (Just in Time). No caso dos novos modelos de produção experimentados pelas montadoras no Brasil, parece que o objetivo é buscar, além dos tipos de flexibilidade mencionados, uma nova modalidade: a flexibilidade em relação a montante e risco do investimento.
Ao compartilhar com 17 outras empresas, os investimentos necessários para a produção de uma linha de automóveis, a Ford, por exemplo, reduz substancialmente sua exposição no projeto. Ela está repassando para as “moduleiras” parte das necessidades do capital exigido pelo projeto. Deste modo, está dividindo também o risco do investimento: torna-se mais fácil para a Ford descontinuar o projeto e reiniciá-lo em qualquer outra parte do mundo, caso as condições na Bahia não permaneçam favoráveis. Ela não está firmando apenas contratos de fornecimento com as “moduleiras”, mas sim compartilhando o investimento e seus consequentes riscos. Parece que este tipo de relacionamento com fornecedores faz parte da estratégia não só da Ford, mas de várias outras montadoras ocidentais, no sentido de ocuparem, cada vez mais, os segmentos a jusante da cadeia produtiva, tornando-se empresas de serviços de consumo.
Do ponto de vista da economia local, é evidente que o projeto da Ford representa um importante salto na evolução industrial da Bahia, caso o projeto seja realizado conforme divulgado pela imprensa. Porém, algumas dúvidas podem ser levantadas. No caso da Volks em Rezende, os hotéis e os segmentos imobiliário e de construção parecem ser os maiores beneficiários do empreendimento até agora. A expectativa gerada na população é compreensível, dada a guerra fiscal empreendida pelos estados brasileiros. Assim, os governos estaduais fazem grande propaganda acerca da criação de dezenas de milhares de empregos para justificar os subsídios oferecidos às montadoras, sem que se tenha, ao certo, a verdadeira dimensão do potencial dinamizador destas instalações industriais para as economias regionais.
No caso da Volks em Rezende, a Gazeta Mercantil já registrava a frustração que imperava na cidade, depois de um ano de grande expectativa, sobre os impactos na geração de novos empregos e no aquecimento da economia local. Não se emprega 1.500 trabalhadores entre um carnaval e outro, nem se investe 300 milhões de dólares em poucos meses, registrava o jornal. Dos 400 já empregados na data de publicação da reportagem, 160 vieram de fora do Estado e 240 eram da comunidade local. Devido ao grande desemprego da região, agravado com a migração decorrente do
anúncio da fábrica, a Volks apresentava-se como uma das poucas alternativas de emprego. Espera-se que a mesma situação não seja experimentada por nossa região nos próximos anos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, A S. L. RIBEIRO, C. E. S.; MANFREDI, G. ROZENFELD, H. (1999). Planejamento do processo de fabricação no conceito de Consórcio Modular Volkswagen – um caso prático. Capturado em 17 de setembro de 1999 na internet: http://www.ksr.com.br/ sae97.htm.
ANFAVEA (1998). Anuário Estatístico. São Paulo.
CORIAT, B. (1994) Pensar pelo Avesso: o modelo japonês de trabalho e organização. Rio de Janeiro: Revan : UFRJ.
GAZETA MERCANTIL, (1999), Ford confirma Interesse em se instalar no Estado, Gazeta da Bahia, 17/06/1999.
GAZETA MERCANTIL, (1999), Fábrica do ABC é padrão mundial da Mercedes, 27/07/99.
GAZETA MERCANTIL, (1999) Relatório Indústria Automobilística. Campo de provas de inovações. 3 /9/1999.
PRINDLE, T.K. (1996), Keiretsu: Translator’s Introduction, em SHIMIZU, I., The Dark Side of Japanese Business. Nova York: M. E. Sharpe.
TEIXEIRA, F. L. C. & VASCONCELOS, N. (1997) Regime automotivo, maquiladoras mexicanas e indústria coreana: lições para a Bahia. In: Bahia, Análise e Dados, Salvador, SEI, v.7, n.3, p. 118-140.
THE ECONOMIST (1977), Global pileup, 10/05/97.
THE ECONOMIST, (1999), The revolution at Ford,  07/08/99.
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CONJUNTURA CONJUNTURA CONJUNTURA CONJUNTURA CONJUNTURA & & & & &PLANEJAMENTO PLANEJAMENTO PLANEJAMENTO PLANEJAMENTO PLANEJAMENTO Salvador Salvador Salvador Salvador Salvador, SEI , SEI , SEI , SEI , SEI, Nov , Nov , Nov , Nov , Nov. 1999, nº 66 . 1999, nº 66 . 1999, nº 66 . 1999, nº 66 . 1999, nº 66
ZAWISLAK, P. A. (1999), Diagnóstico automotivo. A plataforma tecnológica da cadeia automotiva do RS. Porto Alegre: UFRGS/PPGA/NITEC/ FIERGS.
NOT NOT NOT NOT NOTA A A A A
1 O sistema de produção Just in Time (produção apenas a tempo) tem recebido muitos nomes: Produção Enxuta (Lean Production), Toyotismo, Ohnismo, Kanban, etc. Neste artigo denominaremos por Just in Time o sistema de produção que teve origem na Toyota, nos anos 50, a partir das idéias do engenheiro Ohno.
2 Prindle (1996) define um keiretsu como uma extensa rede de relações de negócios e organizacionais. Kei significa “canal” e retsu “linha”. Portanto, podemos pensar em keiretsu como o grupo de negócios, ou guilda. Na verdade, trata-se de uma sociedade de negócios baseada em investimento de capital, contratos de negócios ou ambos.
3 É importante observar que não existem informações precisas sobre o projeto. A descrição apresentada neste artigo é baseada em fontes indiretas. Sabe-se que o projeto final ainda se encontra em fase de acabamento, em Detroit. Isto significa que tanto o modelo do carro (Amazon), como o projeto da planta podem sofrer alterações.
4 O milk run é um sistema que permite a coleta de peças com hora marcada e quantidades pré-determinadas, sendo realiza
da pela GM junto a fornecedores de menor porte (ZAWISLAK, 1999).
5 De acordo com a imprensa (Gazeta Mercantil, 17/06/99).
6 Gazeta Mercantil, 11/8/99.

*Francisco L.C. Teixeira é professor do Núcleo de Pós-Graduação em Administração da UFBA.
**Nilton Vasconcelos é professor da UCSal e doutorando pela UFBA.


20 abril, 1999

Guerra fiscal, montadoras e disputas regional


                                                                    Francisco Teixeira 
                                                                 Nilton Vasconcelos


Publicado no caderno Bahia do jornal Gazeta Mercantil, em 20 de abril de 1999

29 março, 1999

Todos devem ser convidados ao baile

Elizabeth Loiola
Nilton Vasconcelos

Publicado no caderno Bahia do jornal Gazeta Mercantil
29 de março de 1999

17 março, 1999

Acordo emergencial e renovação de frota

                                                                          Nilton Vasconcelos


Publicado no caderno Bahia do jornal Gazeta Mercantil
17 de março de 1999