08 novembro, 2015

O financiamento da ciência e tecnologia no Brasil

            Nilton Vasconcelos *

A crise fiscal que afeta o Estado brasileiro tem produzido importantes impactos na política nacional de ciência, tecnologia e inovação, de modo que os recursos orçamentários disponíveis não têm sido suficientes para arcar com compromissos já assumidos. 
O paradoxo é que a retomada do crescimento requer o aumento da produtividade do trabalho, com maior qualificação da mão de obra e ampliação dos investimentos em tecnologia, a exemplo do que se alcançou no setor aeronáutico, sobretudo com a Embraer.
O financiamento do sistema de C&T tem como base o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - FNDCT, reorganizado em desdobramento da legislação que havia criado os Fundos Setoriais. 
No modelo dos fundos setoriais, os tributos arrecadados pela União em diversos setores econômicos seriam direcionados para desenvolver tecnologicamente as respectivas áreas. Dois outros Fundos  Infraestrutura e Verde Amarelo – foram criados com a finalidade de apoiar a cooperação entre universidades, centros de pesquisa e empresas, e para fomentar a infraestrutura das instituições de C&T.
A Lei que regulamentou o FNDCT, em 2007, numa complexa engenharia institucional, destinou os recursos dos 15 fundos setoriais então existentes a exemplo do Espacial, Agronegócio, Informática, Petróleo e Gás – não apenas àquelas atividades originalmente previstas. Reunida no FNDCT, a receita – autorizada no valor de R$4,6 bilhões, na LOA de 2015 – pode ser aplicada, na subvenção econômica, a empresas inovadoras, assim como empréstimos, equalização de juros, participação no capital de empresas, garantia de liquidez e investimentos de risco. A Lei tornou possível destinar recursos para ações denominadas transversais – que perpassam os vários setores simultaneamente, em áreas consideradas estratégicas para o país. Também projetos comReator Multi-propósito, do Acelerador de Partículas Sirius e do Satélite Geoestacionário são financiados com recursos do FNDCT.
Em síntese, as receitas arrecadadas nos diversos setores econômicos e cuja destinação original era incrementar o desenvolvimento científico tecnológico nestas mesmas áreas passaram a financiar todo um conjunto de atividades que integram a Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação. 
De todo modo, pode-se argumentar que foi possível desenvolver uma política de C,T&I mais ampla e complexa. No entanto, sucessivas leis e decretos orçamentários transferiram dotações do FNDCT para a Reserva de Contingência, e, ao mesmo tempo, permitiram que a arrecadação atendesse a outras despesas, como no caso do Programa Ciência sem Fronteiras. O resultado é que os Fundos Setoriais ficaram reduzidos a menos de 10% do que é efetivamente arrecadado pelos diversos mecanismos tributários, para financiar a sua atividade.
Medidas adotadas ao longo de 2015 buscaram sanear o Fundo, sobretudo restringindo as despesas àqueles programas estritamente vinculados aos seus objetivos primordiais. Ainda assim, os limites impostos ao gasto público dentro do ajuste fiscal atingiram fortemente a área de CT&I.
As perspectivas para o ano vindouro ainda não são boas, tendo em vista o alto nível de recursos contingenciados por mecanismos orçamentários variados.
Recompor as receitas do FNDCT, restringir o contingenciamento dos recursos, fomentar projetos estratégicos, garantir maior participação dos Fundos Setoriais no bolo orçamentário são medidas indispensáveis para que o país possa avançar no desenvolvimento tecnológico e científico.
Simultaneamente, é preciso avançar nos processos de avaliação dos resultados na aplicação dos recursos, e ampliar os investimentos de C&T mais vinculados às necessidades do setor produtivo, de modo a garantir melhor impacto na atividade econômica.
* Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia - IFBA, Secretário Estadual do Trabalho e Esporte nos governos de Jaques Wagner.

03 fevereiro, 2015

Os direitos dos trabalhadores e as contas do FAT

                                                                                                                               Nilton Vasconcelos

As centrais sindicais tem se mobilizado contra medidas governamentais que pretendem estabelecer novos critérios de acesso a benefícios trabalhistas, em particular o seguro desemprego. A base do argumento governamental é o enfrentamento à crise fiscal e a necessidade de um ajuste nas despesas da União.
Nos últimos anos, o Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador - Codefat, composto de representação dos trabalhadores, dos empregadores e governo, tem pautado o que poderia se chamar de sustentabilidade da política pública financiada pelo Fundo. O fato é que ano após ano os gastos com as obrigações do Fundo cresceram em proporção maior que as suas receitas efetivas, determinando crescentes aportes do Tesouro Nacional, ou mesmo avançando sobre o patrimônio do FAT, para honrar os seus compromissos.
Fundamentalmente estes compromissos correspondem ao pagamento do Seguro Desemprego, do Abono Salarial e despesas administrativas sob a responsabilidade do Ministério do Trabalho e Emprego.
A base das receitas do FAT é a arrecadação do Pis/Pasep e os rendimentos sobre o patrimônio - depósitos no BNDES, ou destinados a diversas linhas de financiamento por outras instituições de fomento, e aplicações financeiras. A maior parte do patrimônio corresponde aos recursos  constitucionalmente transferidos ao BNDES, cuja remuneração é compatível com os juros do financiamento a longo prazo efetuados pelos banco.
Tem havido um crescimento das obrigações com o Seguro Desemprego - SD e o Abono Salarial, despesas impactadas fortemente pelo crescimento do contingente de assalariados formais, assim como pela política de valorização do Salário Mínimo.
Mais empregos gerados significa maior despesa com o SD pois a rotatividade do mercado de trabalho manteve proporção semelhante ao que se observava no período anterior. É comum se ouvir referências a fraude no seguro desemprego, principalmente em razão de acordo entre empregados e empregadores em empresas de menor porte. Supostamente este tipo de fraude seria responsável pelo incremento das despesas, sendo uma alegação para justificar as medidas restritivas ao pagamento do SD. Não se tem, realmente, uma dimensão exata do tamanho da burla, mas certamente, não é a principal causa da elevação dos dispêndios do FAT.
Mas se é verdade que houve um aumento de despesas do FAT, simultaneamente, verifica-se ao longo do tempo uma redução das receitas apesar do crescimento da base salarial sobre a qual se calcula a contribuição para o Pis/Pasep. Isto ocorreu em primeiro lugar, em virtude da instituição da DRU- Desvinculação das Receitas da União. Desde 2000 por força de Emenda Constitucional, 20% das receitas vinculadas, inclusive a contribuição do Pis/Pasep podem ser destinadas a outra finalidade. São receitas que deixam de produzir outros ganhos decorrentes da remuneração de depósitos e aplicações.
Em segundo lugar, ainda relacionando os fatores que determinam queda das receitas do Fundo, está a política de desoneração fiscal para setores específicos da economia, cujo desempenho o governo federal considerou necessário estimular face à crise econômica. Também aqui foram atingidas as receitas do FAT.
Esta ampliação dos benefícios fiscais produziu uma diminuição das receitas do Fundo em valor equivalente àquele destinado à DRU. Em consequência, o Tesouro Nacional foi levado a aportar recursos de modo a atender às necessidade do pagamento do SD e Abono Salarial, suprindo parcialmente a perda de receita não internalizada na forma ordinária.
Não tendo sido suficientes, foram utilizados recursos antes destinados a programas e ações financiadas pelo FAT, integrantes do seu patrimônio.
Sem dúvida, a política de desoneração fiscal impacta positivamente os setores beneficiados, podendo contribuir para a sustentação do emprego e a dinâmica da economia. Resta saber, no entanto, se o impacto negativo imediato nas receitas do FAT são justificáveis frente aos benefícios decorrentes das isenções.
Uma Emenda Constitucional de 2010 prorrogou a DRU até 2015, o que poderia gerar um alívio nas contas do FAT para 2016, no entanto, não se pode afastar a possibilidade de uma nova prorrogação, sobretudo em vistas da situação das contas públicas.
Assim, o ajuste das contas baseou-se no corte das despesas relativos aos benefícios trabalhistas com a adoção de novas exigências para acessar o seguro desemprego.
Apesar das inúmeras previsões negativas sobre o desempenho da economia, o emprego permanece firme, embora tenha perdido o fôlego, o que é natural após tantos anos de forte crescimento  do ritmo de geração de novas vagas com carteira assinada. Ainda assim, o ano terminou com os menores índices históricos de desocupação.
Não está claro, ainda, qual o impacto de uma eventual redução do mercado de trabalho formal sobre as contas do FAT, e principalmente sobre o alto índice de rotatividade no emprego. 
Ao final, observa-se que a questão está longe de estar devidamente equacionada. É indiscutível a necessidade de políticas públicas sustentáveis, em que as receitas que a financiam tenham na evolução das despesas uma correspondência, de modo a não resultar na inviabilidade dessas mesmas políticas.
http://www.tribunadabahia.com.br/2015/04/11/os-direitos-dos-trabalhadores-as-contas-do-fat