19 dezembro, 1997

A desregulamentação do mercado de trabalho no Brasil


Nilton Vasconcelos

Tomando por base os critérios estatísticos oficiais, no Brasil, 2,24 milhões de pessoas atingem anualmente a faixa dos 15 a 64 anos, idade produtiva para encontrar ocupação. Isto significa que há necessidade de geração de um novo emprego a cada 14 segundos.

O país, no entanto, contrário de criar mais vagas diminui o estoque de empregos existentes.

 Segundo o Ministério do Trabalho, de 1990 a agosto de 1997, o mercado formal perdeu 2,086 milhões de empregos, enquanto a população economicamente ativa cresceu de 64,4 milhões para 74,1 milhões de trabalhadores, segundo o IBGE. Portanto, 11,7 milhões de pessoas deixaram de compor o mercado formal de trabalho. Parte destes está desempregada, outros integram a economia informal.

Setores empresariais e políticos têm apontado como uma das causas do desemprego o denominado "custo Brasil" - custos decorrentes da regulamentação imposta pelo Estado brasileiro que oneraria os produtos nacionais. Neste sentido, têm proposto a flexibilização das relações trabalhistas.

Mas, o que é o "custo Brasil" para o empresariado? Em geral, o discurso é contra as condições de infraestrutura, os custos portuários, os altos juros, o sistema tributário, a legislação trabalhista pouco flexível e o excesso de regulamentação.

No que se refere à legislação trabalhista, cálculos diferentes fundamentam as teses favoráveis e contrárias ao "custo Brasil". Aqueles que defendem a redução do referido 'custo' como solução do problema, ou pelo menos como uma das medidas prioritárias, calculam que a empresa brasileira tem que arcar com algo em torno de 102% a mais da remuneração da força de trabalho, com encargos sociais e trabalhistas, onerando demasiadamente seus custos e fazendo com que elas percam capacidade de competir. Se os custos com a mão de obra fossem menores, argumentam, as empresas seriam estimuladas a contratar mais trabalhadores. Do contrário, afirmam, as empresas acabam fechando as portas e gerando mais desemprego.

Mas é discutível a informação de que o trabalhador brasileiro representa alto custo para as empresas. Para alcançar os referidos 102% de encargos sobre os salários, os defensores do estudo incluíram as despesas com o repouso semanal remunerado, férias, abono de férias e o 13° salário, como despesas a serem cortadas. Ou seja, a ideia da flexibilização das relações trabalhistas pressupõe a eliminação de conquistas sociais históricas. Retirados estes itens do cálculo, o custo adicional de um trabalhador para a empresa é de 46%, sendo 26% de taxas e contribuições e 20% com salários indiretos, inclusive FGTS.

Discutível também é o argumento de que a redução de encargos deva resultar em aumento do nível de emprego. Uma das maneiras de se medir a informalidade nas relações de trabalho no Brasil é tomando por base as contribuições do INSS. Em 1990, 49,9% da força de trabalho empregada não contribuíam. Em 1995, este percentual subiu para 56,9%, estão, supostamente, vinculados à economia informal. Estes números são utilizados para reforçar o argumento de que uma forma de legalizar a situação destes trabalhadores seria, justamente, a diminuição das exigências legais. Ou seja, os trabalhadores do setor informal, sabidamente mal remunerados, teriam sua situação de precariedade no trabalho regularizada, não através da melhoria do seu padrão salarial e de benefícios, e sim pela simples extinção da legislação que deveria ampará-los.

O problema não é tão fácil como aparenta, nem a solução é tão ‘lógica’ como querem fazer crer. Em primeiro lugar, porque o argumento da baixa capacidade das empresas localizadas no país em competir nos mercados internacionais não pode deixar de levar em conta a política cambial e monetária que sustenta o plano de estabilização econômica. Com a moeda brasileira valorizada em relação ao dólar e uma taxa de juros interna excessivamente alta, torna-se cada vez mais difícil exportar produtos, ou mesmo vender para o mercado interno enfrentando a concorrência dos produtos estrangeiros. O governo mantém a inflação sob controle às custas da valorização do Real e de juros altos, com forte impacto sobre as exportações. Políticas cambial e monetária que permitam déficits comerciais sistemáticos, ainda que o fluxo de capitais para o País equilibre a balança de pagamentos, levam ao enfraquecimento do parque industrial local na disputa do mercado interno com eu produtos estrangeiros. O consumo se realiza aqui, mas o emprego é gerado fora do País, à custa da geração local de postos de trabalho.

A maior investida legal para 'flexibilizar' as relações de trabalho no País é a proposta de Contrato Temporário de Trabalho que tramita no Congresso Nacional. Esta modalidade de contrato estabelece novas condições de contratação da mão de obra através da redução dos encargos trabalhistas que as empresas estão obrigadas a pagar e, simultaneamente, dos benefícios ao trabalhador. Ao final do contrato, por exemplo, o trabalhador terá como saldo de FGTS apenas 25% do que teria direito em um contrato normal, sem contar que, em caso de demissão, perde o direito à multa de 40% sobre o saldo do FGTS. Também na demissão o empregado perde o direito ao recebimento do Aviso Prévio. A estabilidade no emprego passa a ter validade apenas na duração do contrato, que é de dois anos, mesmo no caso de acidente no trabalho ou da empregada gestante. Outras tantas regras impõem mais restrições aos direitos trabalhistas e redução de pagamento de encargos pelas empresas.

Algumas categorias, em particular, a exemplo dos trabalhadores na construção civil e no comércio serão mais atingidas com a aprovação desta legislação em função da alta rotatividade que se observa nestes segmentos.

A proposta do contrato de trabalho temporário começou a ser implementado em São Paulo por acordo entre os sindicatos patronal e dos trabalhadores, este ligado à Força Sindical. Grande contingente de trabalhadores acorreu à porta da empresa metalúrgica Aliança, a primeira a se propor a realizar contratos nas novas bases. Mesmo tendo sido suspensa, a contratação foi saudada como uma demonstração inequívoca de que a proposta continha solução para o problema do desemprego. A única conclusão, contudo, possível de se tirar, é que o trabalhador desempregado e sem perspectiva de vir a ocupar nova vaga no mercado formal, submete-se a qualquer situação para garantir o seu sustento e de sua família.

 Evidentemente que, quanto maior o contingente de trabalhadores desempregados, maior a pressão empresarial pela redução dos salários e das condições de trabalho, visto ser fácil a reposição da mão de obra.

O argumento de que a "flexibilização" (eufemismo utilizado para referir-se à perda de direitos pelos trabalhadores) das normas trabalhistas reduz o desemprego, no mínimo, gera dúvidas. A diminuição do desembolso das empresas com o pagamento de encargos trabalhistas regularizará a situação dos trabalhadores informais sem garantias de que se obtenha algum ganho em função desta nova condição. Assim, a tendência poderá tece substituição gradativa dos empregos "bons" - que incluiriam as conquistas sociais existentes - por empregos "ruins" - sem férias, 13°. etc

A eliminação de despesas com o não pagamento do INSS, por exemplo, pode ser bom para a empresa, mas é péssimo para a saúde dos trabalhadores, visto que o sistema já precário mesmo com os níveis atuais de desconto.

Isto posto, percebe-se que a problemática merece, pelo menos, um debate mais extenso da questão, bem como, a proposição de alternativas que minimizem os efeitos sociais que aprofundam o dilema da distribuição da riqueza nacional.

Gazeta Mercantil, Gazeta da Bahia, quinta-feira, 11 de dezembro de 1997



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