Nilton Vasconcelos
Tomando por base os critérios estatísticos
oficiais, no Brasil, 2,24 milhões de pessoas atingem anualmente a faixa dos 15
a 64 anos, idade produtiva para encontrar ocupação. Isto significa que há
necessidade de geração de um novo emprego a cada 14 segundos.
O país, no entanto, contrário de
criar mais vagas diminui o estoque de empregos existentes.
Segundo o Ministério do Trabalho, de 1990 a
agosto de 1997, o mercado formal perdeu 2,086 milhões de empregos, enquanto a
população economicamente ativa cresceu de 64,4 milhões para 74,1 milhões de
trabalhadores, segundo o IBGE. Portanto, 11,7 milhões de pessoas deixaram de
compor o mercado formal de trabalho. Parte destes está desempregada, outros
integram a economia informal.
Setores empresariais e políticos
têm apontado como uma das causas do desemprego o denominado "custo
Brasil" - custos decorrentes da regulamentação imposta pelo Estado
brasileiro que oneraria os produtos nacionais. Neste sentido, têm proposto a
flexibilização das relações trabalhistas.
Mas, o que é o "custo Brasil"
para o empresariado? Em geral, o discurso é contra as condições de infraestrutura,
os custos portuários, os altos juros, o sistema tributário, a legislação
trabalhista pouco flexível e o excesso de regulamentação.
No que se refere à legislação trabalhista,
cálculos diferentes fundamentam as teses favoráveis e contrárias ao "custo
Brasil". Aqueles que defendem a redução do referido 'custo' como solução
do problema, ou pelo menos como uma das medidas prioritárias, calculam que a empresa
brasileira tem que arcar com algo em torno de 102% a mais da remuneração da
força de trabalho, com encargos sociais e trabalhistas, onerando demasiadamente
seus custos e fazendo com que elas percam capacidade de competir. Se os custos
com a mão de obra fossem menores, argumentam, as empresas seriam estimuladas a
contratar mais trabalhadores. Do contrário, afirmam, as empresas acabam
fechando as portas e gerando mais desemprego.
Mas é discutível a informação de
que o trabalhador brasileiro representa alto custo para as empresas. Para
alcançar os referidos 102% de encargos sobre os salários, os defensores do
estudo incluíram as despesas com o repouso semanal remunerado, férias, abono de
férias e o 13° salário, como despesas a serem cortadas. Ou seja, a ideia da
flexibilização das relações trabalhistas pressupõe a eliminação de conquistas
sociais históricas. Retirados estes itens do cálculo, o custo adicional de um
trabalhador para a empresa é de 46%, sendo 26% de taxas e contribuições e 20%
com salários indiretos, inclusive FGTS.
Discutível também é o argumento
de que a redução de encargos deva resultar em aumento do nível de emprego. Uma
das maneiras de se medir a informalidade nas relações de trabalho no Brasil é
tomando por base as contribuições do INSS. Em 1990, 49,9% da força de trabalho
empregada não contribuíam. Em 1995, este percentual subiu para 56,9%, estão,
supostamente, vinculados à economia informal. Estes números são utilizados para
reforçar o argumento de que uma forma de legalizar a situação destes
trabalhadores seria, justamente, a diminuição das exigências legais. Ou seja,
os trabalhadores do setor informal, sabidamente mal remunerados, teriam sua
situação de precariedade no trabalho regularizada, não através da melhoria do
seu padrão salarial e de benefícios, e sim pela simples extinção da legislação
que deveria ampará-los.
O problema não é tão fácil como
aparenta, nem a solução é tão ‘lógica’ como querem fazer crer. Em primeiro
lugar, porque o argumento da baixa capacidade das empresas localizadas no país
em competir nos mercados internacionais não pode deixar de levar em conta a
política cambial e monetária que sustenta o plano de estabilização econômica.
Com a moeda brasileira valorizada em relação ao dólar e uma taxa de juros interna
excessivamente alta, torna-se cada vez mais difícil exportar produtos, ou mesmo
vender para o mercado interno enfrentando a concorrência dos produtos
estrangeiros. O governo mantém a inflação sob controle às custas da valorização
do Real e de juros altos, com forte impacto sobre as exportações. Políticas cambial
e monetária que permitam déficits comerciais sistemáticos, ainda que o fluxo de
capitais para o País equilibre a balança de pagamentos, levam ao
enfraquecimento do parque industrial local na disputa do mercado interno com eu
produtos estrangeiros. O consumo se realiza aqui, mas o emprego é gerado fora
do País, à custa da geração local de postos de trabalho.
A maior investida legal para 'flexibilizar'
as relações de trabalho no País é a proposta de Contrato Temporário de Trabalho
que tramita no Congresso Nacional. Esta modalidade de contrato estabelece novas
condições de contratação da mão de obra através da redução dos encargos trabalhistas
que as empresas estão obrigadas a pagar e, simultaneamente, dos benefícios ao
trabalhador. Ao final do contrato, por exemplo, o trabalhador terá como saldo
de FGTS apenas 25% do que teria direito em um contrato normal, sem contar que,
em caso de demissão, perde o direito à multa de 40% sobre o saldo do FGTS. Também
na demissão o empregado perde o direito ao recebimento do Aviso Prévio. A
estabilidade no emprego passa a ter validade apenas na duração do contrato, que
é de dois anos, mesmo no caso de acidente no trabalho ou da empregada gestante.
Outras tantas regras impõem mais restrições aos direitos trabalhistas e redução
de pagamento de encargos pelas empresas.
Algumas categorias, em particular,
a exemplo dos trabalhadores na construção civil e no comércio serão mais atingidas
com a aprovação desta legislação em função da alta rotatividade que se observa
nestes segmentos.
A proposta do contrato de trabalho
temporário começou a ser implementado em São Paulo por acordo entre os
sindicatos patronal e dos trabalhadores, este ligado à Força Sindical. Grande
contingente de trabalhadores acorreu à porta da empresa metalúrgica Aliança, a
primeira a se propor a realizar contratos nas novas bases. Mesmo tendo sido suspensa,
a contratação foi saudada como uma demonstração inequívoca de que a proposta
continha solução para o problema do desemprego. A única conclusão, contudo,
possível de se tirar, é que o trabalhador desempregado e sem perspectiva de vir
a ocupar nova vaga no mercado formal, submete-se a qualquer situação para
garantir o seu sustento e de sua família.
Evidentemente que, quanto maior o contingente
de trabalhadores desempregados, maior a pressão empresarial pela redução dos
salários e das condições de trabalho, visto ser fácil a reposição da mão de
obra.
O argumento de que a
"flexibilização" (eufemismo utilizado para referir-se à perda de
direitos pelos trabalhadores) das normas trabalhistas reduz o desemprego, no
mínimo, gera dúvidas. A diminuição do desembolso das empresas com o pagamento
de encargos trabalhistas regularizará a situação dos trabalhadores informais
sem garantias de que se obtenha algum ganho em função desta nova condição.
Assim, a tendência poderá tece substituição gradativa dos empregos
"bons" - que incluiriam as conquistas sociais existentes - por
empregos "ruins" - sem férias, 13°. etc
A eliminação de despesas com o
não pagamento do INSS, por exemplo, pode ser bom para a empresa, mas é péssimo
para a saúde dos trabalhadores, visto que o sistema já precário mesmo com os
níveis atuais de desconto.
Isto posto, percebe-se que a problemática
merece, pelo menos, um debate mais extenso da questão, bem como, a proposição
de alternativas que minimizem os efeitos sociais que aprofundam o dilema da
distribuição da riqueza nacional.
Gazeta Mercantil, Gazeta da
Bahia, quinta-feira, 11 de dezembro de 1997
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