07 outubro, 1999

Relações de trabalho e crise

                                                                                                  Nilton Vasconcelos 

O grande problema que tem afetado a sociedade e a economia no Brasil, e em boa parte do mundo é, sem dúvida, o desemprego. Os números alarmantes que persistem em desafiar as teorias econômicas amedrontam a todos e, em particular, aqueles que sobrevivem da venda da sua força de trabalho. Já são um bilhão de desempregados n o globo, segundo estimativas da Organização Internacional do Trabalho, órgão vinculado às Nações Unidas.

Acompanha o desemprego a precarização em geral das relações de trabalho, com o crescimento do emprego informal sobre o formal, a perda de direitos trabalhistas históricos e a redução do poder aquisitivo dos salários.

As políticas governamentais estão orientadas, nos termos do discurso oficial, exatamente para essa diminuição do custo do trabalho como fomento de novas modalidades de contrato temporário de trabalho e com a suspensão do contrato de trabalho, entre outras.

Os fundamentos das políticas da chamada flexibilização das relações de trabalho é o que pretendemos discutir neste espaço. Ocorre que tais alterações no mercado de trabalho se desenvolvem no sentido oposto daquelas políticas que prevaleceram nas décadas anteriores, revelando uma visão diferenciada das diretrizes governamentais de então.

O arcabouço jurídico e institucional que norteou as relações de trabalho desde a década de trinta deste século XX, foi fortemente influenciada pelas ideias de John Keynes, que pregava a necessária intervenção do Estado na economia para romper com a grave e profunda crise que se abateu sobre a economia capitalista no início do século.

O liberalismo de Adam Smith segundo o qual a “mão invisível”  do mercado regularia as crises periódicas do capitalismo, recolocando nos eixos a economia, sucumbiu à maior das c uses até então enfrentada, cujo estopam foi  a fantástica queda da Bolsa de Valores de Nova Iorque em 1929. A intervenção do Estado era considerada por esta  corrente do pensamento econômico não apenas desnecessária, mas também danosa

Coma perda de prestigio do liberalismo, surgiu uma nova orientação em matéria de política econômica. O Estado capitalista passa a ser determinante para a da economia, sendo um fator  importante para a adoção deste caminho a necessidade de fazer frente às experiências socialistas no leste europeu. Nas décadas seguintes o capitalismo vive o seu esplendor - são os anos durados, um período de grande expansão da economia capitalista.

Este cicio se completou com a crise do petróleo nos anos 70 e uma fase de estagnação econômica dos países centrais. Segue-se, a crise de financiamento da dívida externa nos países de economia dependente, abrindo espaço para o ressurgimento do liberalismo, desta vez o neoliberalismo.

A base desta orientação continua sendo o discurso do afastamento do Estado da economia, o desmonte de todo o aparato jurídico e Institucional que pudesse, na concepção dos neoliberais, impedir o livre funcionamento do mercado. Assim, justificou-se a privatização de empresas públicas, a redução de barreiras que restringissem o comércio internacional, a eliminação de barreiras à livre circulação de capitais por todo o muno, a abdicação pelos governos de implementar políticas industriais, entre outras medidas.

Neste sentido é que também o mercado de trabalho passou a sofrer forte desregulamentação. Sob o argumento de que este mercado fora excessivamente normatizado, resultado em um “custo” do trabalho muito alto, tornava-se imprescindível a flexibilização, entendida como restrição aos mecanismos de proteção ao trabalho.

A redução dos custos de contratação e de dispensa da força de trabalho é apontada como a forma de combater o desemprego. Segundo esta lógica, é preciso impedir que interferências indesejadas alterem a dinâmica “natural” do mercado e o retorno ao equilíbrio dos fatores.

Ao que tudo indica, o fortalecimento desta abordagem teórica que hegemoniza ainda hoje o pensamento econômico, além das razões decorrentes dos problemas de financiamento do Estado, encontrou o campo fértil da crise de concepções alternativas, abaladas que foram com fim do socialismo soviético.

Duas décadas depois de começar a ser Implementado mundo afora, o receituário neoliberal enfrenta críticas e revisões frequentes, demonstra crescentes dificuldades na resolução dos problemas econômicos, especialmente o desemprego. Neste sentido, a polêmica mais-Estado versus menos-Estado evidencia-se falsa do ponto de vista da economia capitalista. O afastamento do Estado da economia, em particular do mercado de trabalho, não tem resolvido o problema do desemprego na imensa maioria dos países, tendo contribuído, isto sim, para a ocorrência de uma maior instabilidade da relação empregatícia,  agravando as possibilidades de sobrevivência dos trabalhadores à recessão.

Gazeta da Bahia. Gazeta Mercantil. Salvador, quinta-feira, 7 de outubro de 1999


Publicado no caderno Bahia do jornal Gazeta Mercantil
7 de outubro de 1999