Artigo publicado na edição nº 55 da Revista Debate Sindical, jun-jul-ago/2006
Nilton Vasconcelos
A decisão da Volkswagen de promover uma redução expressiva do contingente de trabalhadores empregados no Brasil, estimada em seis mil demissões até 2008, nos remete à crise do setor no início dos anos 90, a partir do anúncio do fechamento de unidades produtivas da Ford em São Bernardo, com o afastamento de setecentos trabalhadores. Em conseqüência da mobilização social, à época, o governo Collor implementou a Câmara Setorial Automotiva, resultando em vários acordos com a participação de empresas, trabalhadores e governo.
As duas crises se relacionam a contextos muito diferentes, mas podemos estabelecer uma série de parâmetros comuns entre os dois momentos, relacionando-os particularmente à redução de barreiras no comércio internacional, aos investimentos em tecnologia, às mudanças na organização da produção quanto às relações de trabalho e ao relacionamento entre as empresas no processo produtivo.
No início dos anos 90 havia um quadro de corte de investimentos, adiamento de planos de automação e redução de níveis salariais, tendo sido registrada uma estagnação da produção automotiva na década de oitenta, quando as montadoras produziram em torno de um milhão de veículos por ano. Os acordos setoriais produzidos no âmbito da Câmara Automotiva, em 1992 e 1993, estiveram focados em objetivos de ampliação da produção por meio de diminuição de preços dos veículos, sobretudo via redução de impostos; manutenção do nível de emprego e correção mensal dos salários. Em meio a crises econômicas sucessivas os êxitos obtidos foram relativos e sujeitos a constantes re-negociações.
A partir de meados dos anos noventa houve uma transformação neste segmento industrial, com a edição de um conjunto de medidas legais que instituíram o Regime Automotivo Brasileiro. Fruto deste processo observou-se a ampliação da produção alcançando dois e meio milhões de unidades produzidas, em 2005.
Interpretada como uma “segunda onda” automotiva no país, após aquela que inaugurou este segmento produtivo em meados do século passado, os investimentos resultaram na implantação de novas fábricas das principais montadoras de veículos de passeio e comerciais leves já instaladas – Volks, Ford, Fiat e General Motors, e de fabricantes que inauguraram sua participação na produção no país. Entre estes últimos estão a Renault, Nissan, Peugeot, Honda, Mercedes Bens, Mitsubishi e Toyota.
Este processo trouxe modificações importantes para o setor, entre as quais pode-se destacar a mudança da “geografia” desta indústria, com a construção de novas plantas fora do eixo tradicional, deslocando-se para estados como o Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Paraná, Bahia, Goiás e, mesmo em São Paulo e Minas Gerais, para regiões que não eram produtoras de autoveículos. Esta decisão atendeu a estratégias variadas das empresas, tais como a facilidade de atender a mercados externos e o aproveitamento de benefícios fiscais e financeiros concedidos pelos estados da federação e pelo governo federal. Entretanto, a busca por regiões não sujeitas às convenções e acordos coletivos de trabalho já existentes, firmados a partir de grande mobilização de trabalhadores experientes na luta sindical, é um critério de localização que as empresas não omitem. Em conseqüência, os salário praticados em Camaçari, Porto Real e Resende, por exemplo, são bastante inferiores àqueles pagos em São Paulo.
Neste sentido, uma discussão antiga enfrentada pelos trabalhadores europeus, que vêem as unidades produtivas serem fechadas em seus países e novas unidades dos mesmos fabricantes abertas em regiões do planeta em que se praticam salários mais baixos, passou a ser vivenciada internamente pelos trabalhadores no Brasil.
A redução do “custo” do trabalho garante maior competitividade às plantas recém implantadas, forçando as antigas unidades produtivas a promoverem “ajustes”, incluindo a demissão de trabalhadores.
Outros fatores que influenciam essas decisões devem ser considerados, a exemplo das inovações tecnológicas, inclusive as gerenciais. As unidades da GM e Ford, em Gravataí e Camaçari, respectivamente, são exemplos de fábricas nas quais a montadora restringe sua atuação a atividades mais críticas da produção e à montagem final, transferindo para as sistemistas (produtoras de partes, módulos e sistemas) grande parte da atividade antes sob sua responsabilidade. Por esta estratégia produtiva, reduz-se expressivamente o número de empregados diretos das montadoras.
Assim, caem os salários e o emprego e amplia-se a produção, as vendas internas e as exportações. É o que as estatísticas do setor nos apresentam, registrando uma redução de dez mil vagas entre 1995 e 2005, fechando o último ano com 94 mil postos de trabalho. Mesmo com a transferência de atribuições para as sistemistas verificou-se uma diminuição ainda mais expressiva no setor de autopeças que perdeu 38 mil vagas no mesmo período, registrando 197 mil empregados, em 2005.
Portanto, observa-se que a crise atual representa uma evolução da competição entre estas grandes empresas capitalistas pela contínua redução de custos de produção, aí incluídos o custo do trabalho. Também se deve analisar o problema, observando-se o quadro setorial internacional, marcado por uma disputa acirrada entre as grandes marcas pelo primeiro lugar na produção de autoveículos, incluindo alternativas de novas alianças ou fusões entre montadoras, mas também por outra ameaça que vem do Oriente, à hegemonia estadunidense. Depois dos japoneses, agora é a vez da China, que de produtora modesta se transformou em poucos anos em grande fabricante mundial, podendo ser um exportador agressivo, a exemplo do que já ocorre em outros ramos da atividade econômica.
* Membro do Conselho Editorial da Revista Debate Sindical.