Publicado em Conjuntura & Planejamento, n. 140
Um fenômeno importante, já evidenciado em pesquisas
anteriores, vem se confirmando no setor automotivo
brasileiro. Na contramão da produção ascendente,
a estagnação do emprego é uma característica daquele
que é um dos segmentos tradicionalmente associados
à geração de postos de trabalho em larga escala.
Empregos sim, mas não como antes. Estabelecer
uma correlação direta entre elevação da produção e
ampliação do nível de emprego setorial está cada vez
mais difícil, e é uma situação ainda menos provável de
encontrar nas regiões produtoras mais antigas.
Na divulgação das estatísticas relativas à indústria
automotiva brasileira no ano de 2005, destacou-se
sobretudo a produção recorde de 2,44 milhões de veículos
montados no ano – o que inclui os automóveis,
comerciais leves, caminhões e ônibus. Pouca atenção,
entretanto, foi dedicada à análise do comportamento
do emprego no setor. Essa ênfase no número
de unidades produzidas não deixa de ser compreensível
visto que o desempenho da indústria automotiva
superou em dez por cento a produção também
recorde do ano anterior. São resultados indiscutivelmente
expressivos, em especial se comparados com
os índices de dez anos atrás. Verificou-se, em 2005,
um crescimento da ordem de cinqüenta por cento em
relação à produção observada em 1995, conforme
podemos observar na Tabela 1.
Aliás, o ano de 1995 é um marco na política pública para
o setor automotivo no país. Em junho daquele ano, o
governo Fernando Henrique Cardoso encerrou a experiência
da Câmara Setorial Automotiva, uma instância
de formulação de política setorial que envolvia uma representação
tripartite: o governo federal, empresários
e trabalhadores. Em seu lugar, foi editada uma série de
Medidas Provisórias que estabeleceram, de forma supostamente
unilateral, o Regime Automotivo Brasileiro.
Análises posteriores, inclusive do Tribunal de Contas da
União, mostraram que a mudança introduzida beneficiou
sobremaneira as montadoras em detrimento da indústria
nacional de autopeças, e deflagrou uma verdadeira
corrida fiscal, na qual os governos federal, estaduais e
municipais passaram a conceder cada vez mais benefícios
e vantagens para atrair investimentos automotivos
(VASCONCELOS, 2002).
O crescimento da produção, no entanto, não se deu
de forma linear, ao contrário, oscilou muito, tendo
chegado a dois milhões de unidades, em 1997, caído
para 1,3 milhão de veículos, em 1999, e retomado
uma curva ascendente a partir de 2002.
Entretanto, um outro indicador menos divulgado apresentou
um comportamento diferente ao longo da última
década. Trata-se do desempenho do emprego nas montadoras
de veículos, sendo observado nos anos recentes
uma relativa estagnação do contingente ocupado.
Quando o indicador é pessoal empregado, constatase
nos últimos onze anos uma diminuição de dez mil
vagas nas montadoras, caindo de 104 mil para 94 mil,
em 2005, ainda que neste ano tenha sido anotado um
crescimento de 6% no número de postos de trabalho
nos fabricantes de autoveículos. Desde o final da década
passada, no entanto, prevalece um quadro de
estagnação do nível de contratação, mantendo-se na
faixa dos 85-90 mil contratos de trabalho nas montadoras,
como se pode ver na tabela acima.
Uma análise mais extensa da série histórica produzida
pela ANFAVEA – Associação Nacional dos Fabricantes
de Veículos Automotores do Brasil indica que o
ano de 1980 marcou o recorde do emprego com 133
mil postos de trabalho nas montadoras, para um total
de 1,165 milhão de veículos produzidos naquele mesmo
ano. Assim, a relação veículos produzidos/empregados
nas montadoras/ano variou de 8,7 veículos por
empregado, em 1980, para aproximadamente 25,9
veículos por empregado, em 2005. Há, portanto, um
crescimento significativo da produtividade, levando
em conta esse indicador.
A essa redução do emprego ao longo do período e
à relativa estagnação observada nos últimos anos,
correspondeu um crescimento da sub-contratação,
da terceirização, do emprego por tempo parcial e de
outras modalidades de precarização do emprego.
Correspondeu, ainda, à utilização de métodos de gestão
que privilegiaram a redução de custos – inclusive
dos custos do trabalho – e modificaram a estrutura da
produção automotiva, transferindo grandes parcelas
da montagem para empresas integrantes de outros
níveis da cadeia produtiva.
Segundo a OIT – Organização Internacional do Trabalho,
em relatório publicado em 2005 sobre as tendências
da indústria automotiva, os fornecedores de
componentes de automóveis já respondem por dois
terços do valor adicionado de um veículo, e, em futuro
próximo, esta relação pode chegar a 75%, no caso de
alguns fabricantes.
Essa transferência de fases da produção das montadoras
para os fornecedores poderia significar que o
emprego também teria sido deslocado para os fabricantes
de autopeças, o que, entretanto, não ocorreu.
Segundo dados do Sindipeças – Sindicato Nacional
da Indústria de Componentes para Veículos Automotores,
que reúne as empresas produtoras de autopeças,
o setor empregava em 1994 um total de 236,6
mil trabalhadores, tendo este número recuado para
187 mil, em 2004, com uma estimativa de chegar a
um total aproximado de 197 mil empregados no mês
de novembro de 2005. Em síntese, verifica-se um
quadro semelhante àquele observado nas montadoras
de veículos.
Com relação ao faturamento na indústria de autopeças,
a tabela abaixo apresenta um caminho inverso
daquele percorrido pelos índices de emprego. Embora
com oscilações, há um crescimento do faturamento
em dólar, de forma que o indicador faturamento por
trabalhador/ano apresenta elevação substancial. Trata-
se, portanto, de uma variação equivalente à que foi
observada entre o número de unidades produzidas
por trabalhador nas montadoras.
Outro fator relevante, e que mostra o quanto é significativa
a variação do emprego nos centros tradicionais
da produção automotiva no Brasil, é o investimento realizado
em novas unidades produtivas no país a partir
do final dos anos noventa. Foram mais de dez novas
fábricas construídas no país, entre as quais estão
grandes plantas industriais no Rio Grande do Sul, Paraná,
Rio de Janeiro, Bahia e Minas Gerais, todas elas
situadas fora das regiões historicamente produtoras
de veículos. Estima-se que apenas a Ford, em Camaçari,
empregue em torno de 4 mil trabalhadores, sem
contar as demais empresas integrantes do condomínio
industrial comandado pela empresa estadunidense.
As novas unidades produtivas da General Motors,
Renault, Peugeot e outras, também contribuíram para
o surgimento de milhares de postos de trabalho. Portanto,
para se obter os números finais que indicam
a relativa estagnação do contingente empregado no
setor nos últimos anos, deduz-se que a redução do
emprego foi ainda mais dramática nos centros produtores
tradicionais de autoveículos, como São Paulo.
No panorama mundial, a indústria automotiva tem
sido marcada pelo insistente noticiário da imprensa
especializada sobre uma iminente falência das duas
gigantes norte-americanas – a Ford e a General Motors,
que reúnem uma dívida de mais de 450 bilhões
de dólares e têm valor de mercado estimado em torno
de 35 bilhões de dólares. Os sistemáticos ajustes de
custos, com a demissão de dezenas de milhares de
empregados, atinge também a outrora terceira maior
empresa automobilística dos EUA.
Sejam quais forem as dimensões da crise das gigantes
do setor, o impacto sobre o Brasil se fará sentir, ou
seja, não há motivo para se crer que a reestruturação
tenha chegado ao fim e que suas implicações sobre
o emprego deixem de ser detectadas. Ao contrário, o
estímulo à incessante diminuição de custos de produção
contribui para a restrição desta esfera em benefício
da financeirização da economia. Nesse contexto,
o emprego tende a reduzir em termos proporcionais,
não apenas na indústria, mas também nos demais setores,
à medida que assimilam a lógica predominante
na economia.
Referências
ANFAVEA. Anuário estatístico da indústria automobilística
brasileira – 2005. Disponível em:
SINDIPEÇAS. Informativo, dezembro 2005. Disponível
em:
______. ABIPEÇAS. Desempenho do setor de autopeças
2005. Disponível em:
27 de janeiro de 2006.
TEIXEIRA, F. L. C.; VASCONCELOS, N. Reestruturação
produtiva, organização do trabalho e emprego na
cadeia automobilística brasileira. Nexos Econômicos,
Salvador-Ba, v. II, n. 1, p. 115-128, 2000.
VASCONCELOS, N. A política pública e o seu processo
de formulação: o caso da indústria automotiva
brasileira na década de 90. Bahia Análise & Dados.
Salvador, v. 12, n. 2, p. 125-137, set. 2002.
* Professor do CEFET-BA, Doutor em Administração Pública.
O texto completo está no site da SEI - Superintendência de EStudos Econômicos e Sociais da Bahia
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