Tatiana Dias Silva(1) Nilton Vasconcelos Júnior(2)
Resumo
O objetivo deste artigo é apresentar o processo de construção da Agenda Bahia do Trabalho Decente. Trabalho Decente é uma formulação da Organização Internacional do Trabalho. A concepção de uma Agenda prevê a articulação de atores e ações voltadas para esse propósito, bem como o estímulo à valorização do trabalho nas estratégias de desenvolvimento. Para apresentar a experiência da Bahia, discute-se inicialmente o conceito do trabalho decente, sua articulação com o desenvolvimento e sua adoção pelo governo brasileiro. Parte-se, em seguida, para uma descrição do processo na Bahia, especialmente das estratégias de gestão, dos resultados e da dinâmica da coordenação intersetorial. Por fim, destacam-se os desafios da experiência, além de reflexões e contribuições para processos análogos de elaboração de agendas e compromissos interinstituicionais, em especial, no campo das políticas de trabalho.
[1] Assessora Especial da Secretaria do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte da Bahia entre 2007 e julho de 2009. Atualmente é Técnica de Planejamento e Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Mestre em Administração.
[2] Secretário do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte da Bahia. Professor do Centro Federal de Educação Tecnológica da Bahia. Doutor em Administração.
1. INTRODUÇÃO
Nesse âmbito, Trabalho Decente é entendido como uma ocupação produtiva, adequadamente remunerada, exercida em condições de liberdade, equidade e segurança, capaz de garantir uma vida digna. Esse conceito representa bem os ideais defendidos pelas instituições comprometidas com a justiça social e os direitos dos trabalhadores. Não é, portanto, inédito nesse campo. A novidade consiste no tempo e na forma com que a proposta se apresenta.
A bandeira do trabalho decente é lançada em resposta a um período de intensificação da crise do emprego, caracterizada tanto pelo aumento dos índices de desocupação como por aumento da precariedade dos postos de trabalho. É tempo também de rever o ideário neoliberal que defendia a desregulamentação e o enfoque financeiro como primordial. Trata-se de um marco para revisão do lugar do trabalho na sociedade. Por isso, a proposta da Agenda do Trabalho Decente tem como diretriz principal a inclusão do trabalho como aspecto central nas estratégias de desenvolvimento.
Por outro lado, a concepção de uma Agenda reconhece que o objetivo final ainda está distante e determina uma série de compromissos para que se possa acercar desse ideal. Estabelece-se, em decorrência, um pacto entre os vários atores, com a finalidade de desenvolver estratégias eficazes e compartilhadas para se aproximar dessa meta-visão. Ao aderir à Agenda do Trabalho Decente, os atores principais do mundo do trabalho – governo, trabalhadores e empregadores – adotam conjuntamente esse ideário e esse compromisso.
Tal proposta tem sido assumida por vários chefes de Estado, sinalizando a disposição de incluir o trabalho como elemento fundamental nas estratégias de desenvolvimento e a convicção de que o trabalho decente é meio fundamental para inclusão social (MTE, 2004).
Procura-se sintetizar no conceito de trabalho decente o itinerário de debates, proposições e esforços na busca por melhores condições nas ocupações produtivas. Essa proposta concentra-se em quatro pilares, quais sejam: a geração de ocupações de qualidade, a extensão da proteção social, o fortalecimento do diálogo social e a garantia dos princípios e direitos fundamentais no trabalho. Indicados em Declaração da OIT, de 1998, esses princípios e direitos referem-se à liberdade de associação, eliminação do trabalho forçado e do trabalho infantil, além da eliminação da discriminação no emprego (OIT, 1998, 2008).
O debate sobre o trabalho decente vem acompanhado de dois importantes elementos: a noção de agenda e a perspectiva de inserção do conceito nas estratégias de desenvolvimento.
O convite à adoção de uma Agenda para o trabalho decente, em diferentes níveis – global, hemisférico e nacional -, apresenta a idéia-força da integração de esforços baseada em um compromisso amplo e de longo prazo.
Trata-se também de um contraponto à centralidade da economia alicerçada em fluxos financeiros. A geração de mais e melhores empregos deve ser objetivo principal das ações e é preciso que essa meta não seja relegada apenas à categoria de externalidade positiva das estratégias de crescimento que, muitas vezes, têm resultados tão exíguos, ou tão concentrados, que não chegam a se concretizar em melhorias reais para os trabalhadores e para a população.
Portanto, a adesão à Agenda do trabalho decente implica estabelecer consenso sobre dois pontos fundamentais. O primeiro está relacionado com o reconhecimento de que o diálogo social entre governo, trabalhadores e empregadores é central para garantir meios de desenvolvimento que tragam melhorias para todos e que tenham o trabalho como elemento primordial. O segundo ponto é o entendimento de que o trabalho é a estratégia essencial para uma inclusão social realmente sustentável. Não obstante a importância e essencialidade das políticas de transferência de renda e de assistência social, identifica-se que o trabalho tem papel central na melhoria significativa das condições de vida de grande parcela da população, pelos ganhos refletidos tanto no poder aquisitivo, acesso a direitos atrelados ao trabalho, reconhecimento social, além da realização pessoal, que advém de condições de trabalho realmente dignas.
É a partir desse contexto que este artigo pretende apresentar a experiência da Bahia no desenvolvimento de uma Agenda do Trabalho Decente. Procura-se ressaltar a coordenação intersetorial e a abordagem interdisciplinar como essenciais tanto para compreensão como para intervenção no mundo do trabalho.
Tratar de uma Agenda apenas para a garantia ao trabalho, em um país cuja taxa de desocupação é de 8,3% (PNAD, 2009) já seria um grande desafio. Ao tratar de trabalho decente, considerando-se a acepção ampla do conceito, avalia-se que o déficit é ainda maior.
Espera-se que esta análise possa converter-se em oportunidade de reflexão tanto para os atores que participam desse processo como para aqueles que tenham condições de enriquecê-lo, com suas críticas e sugestões. Almeja-se também compartilhar esta experiência com aqueles que desejem avançar na implementação de outros projetos dessa natureza.
Esse texto se divide em mais três seções. Inicialmente retoma-se o conceito do trabalho decente, seu itinerário de formação e as relações que estabelece com o desenvolvimento, além de apresentar a experiência brasileira nesse campo.
A seção seguinte descreve a elaboração da Agenda Bahia do Trabalho Decente, dando ênfase à estratégia utilizada, seus resultados e dificuldades. Por fim, nas considerações finais, são destacadas contribuições para processos análogos, apontados os limites desta experiência, além de compartilhar reflexões que acompanharam o processo.
A Agenda do Trabalho Decente é uma resposta global no sentido de promover, pela via do desenvolvimento, espaço efetivo para o exercício dos direitos humanos e sociais, no intento à busca da paz e do respeito à dignidade humana ─ em sua concepção mais abrangente ─, em um contexto mundial marcado pela precarização das relações laborais e violação de direitos.
A abrangência do conceito de trabalho decente, aliada à convergência que sua formatação guarda em relação aos anseios por um mundo do trabalho mais equânime e solidário, permite sua aspiração e adoção por sociedades e realidades diversas.
Por sua vez, uma sociedade embasada nos ideais democráticos deve ter como pauta impositiva a ampliação e aprofundamento dos direitos humanos, a conquista de instâncias de diálogo social e o estabelecimento de padrões superiores de convivência e de exercício do poder e da participação. Nesse contexto, a demanda por estratégias de valorização do trabalho é conseqüência direta, em um processo dinâmico de construção de uma nova sociedade.
Para se alcançar o trabalho decente como aqui compreendido, o crescimento econômico é condição necessária, mas não suficiente. A efetividade desse projeto está condicionada a uma atenção especial voltada para setores que gerem mais empregos e ao embasamento em mecanismos – públicos e da organização social – que permitam melhor distribuição das riquezas e melhor qualidade da ocupação ofertada. A estratégia de desenvolvimento precisa ser requalificada.
A visão de Sachs (2004, p. 25) corrobora com esse argumento, quando destaca o fenômeno do crescimento sem emprego, resultante de uma combinação de fatores, tais como:
• renúncia a uma política de salários altos (o fordismo) sacrificados no altar de uma busca desenfreada de lucros financeiros e a conseqüente redução do ritmo de crescimento da demanda efetiva, uma das causas principais do crescimento pífio;
• deslocamento das produções intensivas em mão-de-obra para plataformas de exportação situadas em países periféricos que se satisfazem com a competitividade espúria, lograda por meio de salários excessivamente baixos, longas jornadas de trabalho e ausência de proteção social.
Segundo Penna Filho (2006), esta foi a tônica da Cúpula de Copenhague (Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Social), em 1995, reforçando-se como contraponto ao predomínio e exclusividade dos temas econômicos e da visão neoliberal na agenda internacional.
No fundo, tratava-se da compreensão de que o caminho trilhado de desenvolvimento econômico assentado em bases essencialmente liberais, ao sabor das diretrizes do livre mercado, era cada vez mais inviável tanto para a sociedade quanto para o meio ambiente. Enfim, começava-se a discutir a própria natureza da idéia de desenvolvimento (PENNA FILHO, 2006, p. 352).
Ademais, como se verificou no período recente de crise econômica, as políticas sociais, dentre elas as de mercado de trabalho, foram fundamentais para garantir proteção social e consumo, atuando de forma anti-cíclica.
Além da geração de mais empregos, é preciso garantir que as ocupações existentes e as vagas criadas sejam geradoras de trabalho decente de fato. O papel fiscalizador do estado (amparado em uma consistente base legal existente) potencializa essa dimensão. Contudo, a regulação deve ser absorvida pela sociedade, constituindo instâncias de controle social e de garantia de direitos. Uma iniciativa nesse sentido é a adesão de várias organizações ao Pacto Nacional pela erradicação do trabalho escravo, no qual as instituições signatárias comprometem-se a não estabelecer relação comercial com empresas que mantiveram trabalhadores em situação análoga à escravidão, relacionadas no cadastro de empregadores do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) (conhecido como “lista suja”), bem como se comprometem a colaborar com ações contra essa prática.
Recentemente o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) incluiu, em seus contratos de financiamento, cláusula restritiva a empresas presentes na “lista suja” ou envolvidas em outras violações (THENÓRIO, 2008).
São significativos os avanços na promoção de melhores condições de trabalho no Brasil, o que, no entanto, ainda está longe de garantir um mundo do trabalho efetivamente justo e que promova ampla inclusão social. Altas taxas de desemprego, informalidade, baixos níveis de proteção social, precarização do trabalho, entre outros problemas, são relevantes no cenário brasileiro. Outro ângulo importante na análise dos limites do mundo de trabalho brasileiro envolve uma atenção mais direcionada a grupos mais vulnerabilizados. Os indicadores relativos à situação laboral de mulheres, negros, jovens e pessoas com deficiência retratam bem a heterogeneidade e desigualdade do mundo do trabalho.
Como parte da estratégia de enfrentamento a essa realidade, o governo brasileiro consolidou diretrizes de intervenção por meio da Agenda Nacional de Trabalho Decente. Essa Agenda, elaborada de forma tripartite, tem como prioridades a geração de mais e melhores empregos, a erradicação do trabalho escravo e infantil e o fortalecimento dos atores tripartites. Após longo período de discussões no âmbito do Grupo de Trabalho Tripartite da Agenda Nacional de Trabalho Decente e do Comitê Executivo Interministerial, o Programa Nacional de Trabalho Decente foi apresentado no Pré-Lançamento da Conferência Nacional de Emprego e Trabalho Decente, em maio de 2010.
Ainda na esfera federal, encontra-se em elaboração a Agenda Nacional de Trabalho Decente para Juventude, por meio de Subcomitê formado no âmbito do Comitê executivo interministerial da Agenda Nacional de Trabalho Decente.
Fazemos um apelo aos governos para que assumam, com o apoio da OIT, o emprego como uma preocupação central e um elemento-chave para o desenvolvimento de planos que conduzam à erradicação da pobreza, permitam superar as situações de desigualdade e atraso que persistem em muitos países de nossa região e criem maiores oportunidades de progresso e bem-estar; e gerem espaços para diálogo de alto nível entre governos e os interlocutores sociais com as instituições financeiras internacionais e regionais, para a discussão da situação do emprego e de seu impacto atual nos níveis de pobreza, que contribua para o avanço na elaboração de políticas harmônicas no contexto do trabalho decente. Declaração de Salvador. (OEA, 2003)
Os primeiros movimentos deram conta de estabelecer mecanismos de cooperação com o Ministério do Trabalho e Emprego e a Organização Internacional do Trabalho. O apoio institucional recebido por ambos permitiu desenvolver, com base na atuação nacional e em experiências internacionais, o caminho para implementação da Agenda de Trabalho decente para o Estado.
A concepção de uma agenda de compromissos para promover o trabalho decente é uma formulação que visa integrar políticas e estabelecer ambiente e informações necessários para formação de parcerias. Ao reunir compromissos conjuntos, permitem-se identificar lacunas, sobreposições, possibilidades de cooperação, além de proporcionar uma visão ampla, tanto dos problemas como das ações encetadas para seu enfrentamento. Visa também incluir, na pauta da sociedade, temas fundamentais, como o alcance a melhores condições de trabalho.
Uma Agenda do Trabalho Decente em âmbito subnacional traz um enfoque local à proposta depromoção do trabalho decente, favorecendo, pela proximidade e nível executivo dos atores, melhor operacionalização do projeto. Todavia, articulações locais como a agenda em tela, que tratam de temas vastos, guardam uma limitação significativa, uma vez que políticas voltadas para o trabalho não podem prescindir de ações abrangentes, em âmbito nacional, algumas das quais são de competência exclusiva da União. O governo central que, em última instância, é o articulador das políticas macro econômicas, deve estar alinhado com as ações locais, e direcionado a maior crescimento econômico, com compromisso social.
Com a finalidade de ampliar o debate e socializar a proposta, em 2007 foi promovida a I Conferência Estadual do Trabalho Decente, concebida como um ponto de partida(1). A expectativa era reunir atores que pudessem contribuir no debate sobre as diretrizes de uma Agenda do trabalho decente, bem como socializar a proposta e o conceito.
A Conferência Estadual do Trabalho Decente teve como objetivo divulgar a temática do Trabalho Decente, sensibilizar os atores sociais e realizar uma ampla consulta como forma de obter subsídios iniciais para o processo de formulação da Agenda estadual. Reunindo cerca de 400 participantes, entre representantes de organizações de trabalhadores e de organizações de empregadores, de organismos governamentais e não governamentais, a Conferência promoveu debates e definiu propostas em torno dos seguintes temas: geração de trabalho e renda, juventude, proteção social, condições de trabalho, igualdade de oportunidade e tratamento, combate à discriminação, enfrentamento ao trabalho infantil e ao trabalho escravo, fortalecimento dos atores tripartites e diálogo social.
Por ocasião da Conferência, foram assinados dois importantes instrumentos normativos para a condução desse processo. O primeiro foi um Memorando de Entendimento entre o Governo da Bahia e a Organização Internacional do Trabalho, cujo objeto foi o estabelecimento de cooperação técnica para elaboração da Agenda. O segundo foi decreto estadual que criava um Grupo de Trabalho Executivo (GTE), com a finalidade de elaborar a Agenda e organizar o processo para sua construção. Esse grupo foi formado inicialmente por sete secretarias de estado, o Conselho Estadual Tripartite e Paritário de Trabalho e Renda(2), além da Delegacia Regional do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho.
Com o desenvolvimento do processo de consultas e debates sobre a Agenda, houve necessidade de ampliação do GTE que, em 2008, foi formalmente constituído como Comitê Gestor do Programa Bahia do Trabalho Decente. Nesse novo formato, essencial para a elaboração de todo modelo de Agenda, estabelecia-se a participação de 27 instituições.
O Comitê é o núcleo central da Agenda do Trabalho Decente. Tem, em sua composição, representação governamental (estadual e federal), representação dos trabalhadores (Centrais Sindicais), representação dos empregadores (Federações) e outras entidades de relevância para o tema, como a Associação dos Magistrados do Trabalho, e a cooperação técnica da Organização Internacional do Trabalho.
Dentre as ações empreendidas pelo Comitê, destacam-se: a sistematização das ações realizadas pelas diferentes entidades para promoção de trabalho decente; a elaboração de panoramas sobre as áreas diversas relacionadas ao mundo do trabalho; a definição das prioridades para a Agenda do Trabalho Decente e a consolidação de seu texto final. De forma contínua, esse grupo tem como atribuição o acompanhamento e avaliação das ações presentes na Agenda Bahia do Trabalho Decente.
A articulação entre os representantes e a socialização de informações entre as entidades envolvidas no Comitê possibilitaram a identificação dos problemas mais relevantes a serem enfrentados, das potencialidades de atuação conjunta e das lacunas de intervenção. Por conseguinte, tornou-se possível deliberar sobre os eixos prioritários de ação.
Desse modo, a partir do Comitê e com base nos resultados da Conferência, foram definidas as prioridades da Agenda em sete eixos temáticos: Erradicação do Trabalho Escravo, Erradicação do Trabalho Infantil, Juventude, Serviço Público, Segurança e Saúde do Trabalhador, Promoção da Igualdade e Trabalho Doméstico. Posteriormente, foi incluído o eixo “Biocombustíveis”. Destaca-se que algumas das prioridades definidas não estavam explicitamente postas nas Agendas de Trabalho Decente de maior abrangência, como a Agenda Nacional ou a Hemisférica - é o caso do trabalho doméstico e do serviço público.
Definidas as áreas de atuação da Agenda, desenvolveu-se, como mecanismo de ampliação do diálogo social e debate participativo dos temas e diretrizes de ação, a formação de Câmaras Temáticas. Essas se caracterizam como instâncias para as quais devem ser convidados profissionais e representações de uma determinada área, formadas para dedicarem-se ao debate, formulação de propostas, coordenação e acompanhamento de ações para cada um dos temas prioritários da Agenda Bahia do Trabalho Decente(3).
Havia, desde o início, uma preocupação em não duplicar instâncias de debate. Em várias áreas de atuação, já havia diversas instâncias consolidadas, em geral, com finalidades diferenciadas, mas que se dedicavam à discussão dos principais problemas na área. Não raro os representantes designados para delas participarem tinham que se esforçar para inserir-se em vários desses fóruns. O Comitê procurou estabelecer meios para cooperar com os esforços existentes, evitando concorrer com eles, mesmo que indiretamente. Por esse motivo, acordou-se que as Câmaras Temáticas poderiam ser substituídas por um fórum, comissão ou conselho já existente que assumisse as atribuições a elas determinadas. Essa opção foi decorrência da experiência inicial do projeto. O debate sobre as propostas da Agenda foi realizado também em reuniões do Fórum de Meio Ambiente do Trabalho (FORUMAT), Fórum Estadual de Combate ao Tráfico de Pessoas, entre outros. Com essa estratégia, procurou-se conciliar as metas institucionais e os acordos já existentes com a nova proposta.
Nas reuniões das Câmaras foi possível incorporar diferentes atores e perspectivas ao debate e, de tal modo, enriquecer o conjunto das propostas. A ampliação do diálogo social também promoveu maior aproximação de segmentos da sociedade com a temática do trabalho e com a concepção do trabalho decente.
A ampliação do debate foi alcançada igualmente por meio de outros canais, extrapolando, com alguma frequência, o circuito específico do mundo do trabalho. Uma importante iniciativa, nesse sentido, foi a incorporação do conceito de Trabalho Decente aos debates em torno do planejamento governamental. O orçamento governamental (Plano Plurianual - PPA) do estado da Bahia foi desenvolvido por meio de um processo participativo, com várias plenárias regionais e com relevante participação popular. A metodologia das plenárias envolveu a organização de grupos temáticos para formulação de propostas. Desde esse momento, o trabalho decente foi pautado como um grupo temático, dentro da diretriz estratégica “Promover o desenvolvimento com inclusão social”. Em decorrência dessa discussão de base sobre o tema, o trabalho decente configurou-se como um programa específico do PPA, que incorpora ações voltadas ao sistema público de emprego, trabalho e renda e a própria construção da Agenda do Trabalho Decente. No modelo do PPA, outras ações do estado com o objetivo direto de promoção de trabalho decente podem ser relacionadas a esse programa como ações transversais, permitindo melhor acompanhamento geral das atividades governamentais com esse propósito (BAHIA, 2007).
Priorizando o diálogo social, que é um dos pilares do trabalho decente, foram realizadas diversas atividades, entre seminários, oficinas e reuniões, no âmbito das Câmaras Temáticas, para garantir que o Programa contemplasse as diversas demandas que envolvem os atores sociais relacionados a cada um dos eixos prioritários. Os resultados de conferências estaduais e nacionais relacionadas ao tema, bem como outros planos setoriais, foram observados, culminando no lançamento do Programa no início de 2010(4).
O ponto norteador durante a consolidação de cada Plano foi primar para que o Programa fosse executável, operacional, transversal e sustentável, objetivando atingir aos princípios contidos no conceito do trabalho decente. Buscou-se ainda garantir a primazia dos quatro pilares constitutivos dessa proposta, de respeito aos princípios e direitos fundamentais no trabalho, de geração de mais e melhores empregos, de extensão da proteção social e de promoção do diálogo social. O Programa Bahia do Trabalho Decente representa um conjunto de iniciativas que busca associar desenvolvimento econômico com justiça social, colocando o trabalho decente como elemento central dessa estratégia.
A construção participativa possibilitou que o Programa refletisse anseios abrangentes, bem como que contivesse as experiências de instituições já envolvidas com as ações, as quais participaram de todo o processo de construção. Além disso, está também expresso no Programa o caráter multidisciplinar e a transversalidade, além do compartilhamento de responsabilidades, conceitos inerentes à Agenda de trabalho decente. Com esses elementos e uma planejada institucionalidade, é possível que esta iniciativa se consolide como uma política de estado, com a meta de que seja incorporada aos planos estratégicos, incluindo-se o trabalho decente entre os macro-objetivos do governo, concomitantemente com sua incorporação nas práticas de gestão públicas e privadas.
Na Agenda Bahia do Trabalho Decente, esta categoria foi considerada um dos eixos prioritários de atuação. Diante desse contexto de representatividade e vulnerabilidade, a categoria ressente-se de uma política mais direcionada a suas necessidades. Em âmbito federal, desenvolveu-se um projeto de concepção considerada ampla e consistente (Trabalho Doméstico Cidadão), mas com atendimento reduzido e descontínuo. No âmbito da Agenda Bahia do Trabalho Decente, passou-se a considerar a importância desse grupo e a articular uma série de ações, que envolvem a profissionalização, qualificação, elevação da escolaridade, educação previdenciária, orientação trabalhista para empregados e empregadores, distribuição de material informativo, assistência técnica para projetos habitacionais e eventos de sensibilização. Essa convergência culminou em um evento comemorativo no dia nacional dedicado à categoria(5), em 2009, reunindo, em uma feira de serviços, mais de 20 entidades. Muitas destas instituições não tinham qualquer ação direcionada a esse público, mas, a partir desse debate, passou a considerar atenção mais específica a essa categoria.
Referências