NILTON
VASCONCELOS (1)
Em todo o mundo os governos
nacionais buscam soluções que garantam uma inserção produtiva aos nossos
jovens, para que sigam com a esperança de construir uma sociedade nova, que
atenda às aspirações crescentes de justiça, de cidadania plena, e de uma vida
melhor.
Educação, formação profissional, mercado de trabalho, reestruturação produtiva
e desenvolvimento econômico, são temas que se relacionam profundamente ao
discutirmos a condição da juventude nos dias atuais.
Cada geração enfrenta problemas que são característicos do seu tempo, do
estágio de desenvolvimento de seu país. Os valores e os desejos de autonomia,
de crescimento como pessoa e como profissional, podem ser os mesmos em muitos
aspectos. As circunstâncias e problemas concretos, no entanto, são específicos,
tem particularidades.
Quando estive pela primeira vez na República Dominicana, no contexto de uma
Cooperação Técnica com o Brasil, através do Ministério do Trabalho, para
contribuir no desenvolvimento do programa de intermediação para o emprego, tive
a oportunidade de realizar visitas técnicas, inclusive a uma organização que
oferecia formação profissional para jovens, situada numa área mais afastada do
centro de Santo Domingo.
Eram instalações físicas de
pouco luxo, simples, e por uma passagem estreita chegamos ao pavimento
superior. Numa sala, que também não era tão ampla, um grupo de alunos nos
aguardava.
Jovens, todos eles, a maioria
constituída por rapazes, muito compenetrados, que acompanhavam com atenção o
instrutor, que lhes orientava sobre a atividade profissional que vislumbravam
ocupar. Disciplinados, se manifestavam, quando inqueridos, firmes,
determinados, demonstrando o desejo de encontrar o seu próprio espaço no
mercado de trabalho. Embora eu tenha participado de um sem número de visitas
como aquela no curso da minha atividade profissional, não havia presenciado
ainda tamanho clima de expectativa e compromisso.
A cena, ainda hoje, na minha memória, emocionou-me, ao perceber como jovens de
origem simples agarravam-se àquela chance como se fosse a única, na esperança
de conquistar mais que um emprego, uma possibilidade de encontrar um caminho
para uma nova etapa das suas vidas.
Na verdade, a condição de
jovem é uma invenção relativamente recente na história da humanidade. Somente
após a Revolução Industrial, na Inglaterra, já no início do século XIX, é que
foi estabelecido em lei que somente aqueles com mais de nove anos de idade
poderiam trabalhar, definindo a jornada de trabalho de doze horas diárias. Em
1919, a Convenção número cinco da OIT, aprovada em sua primeira Conferência,
estabeleceu em 14 anos a idade mínima para a “admissão nos trabalhos
industriais”.
Desde então, muitas outras
conquistas foram agregadas, consolidando uma compreensão de que há um estágio
de vida, posterior à infância e que precede à condição adulta,
caracterizando-se como preparatório ao ingresso naquele universo. Mais que
isto, se ampliou a faixa etária dos considerados jovens de modo a abrigar nesta
condição aqueles que tenham de 15 a 29 anos de idade.
O fato é que o acesso ao
mercado de trabalho tem sido cada vez mais difícil para os jovens. Este é o
dilema em que se encontra a nossa juventude em todo o mundo, com distintas
ênfases entre as nações. Também nós, gestores públicos que temos
responsabilidade direta no assunto, enfrentamos o desafio de encontrar uma
solução para o problema.
E qual é o problema? A questão é que não há ocupação para todos, e muitas
vezes, quando existem oportunidades de emprego, não se encontra trabalhadores
que preencham o perfil profissional requerido pelas empresas para aquelas
vagas.
Todos os países enfrentam
este problema, sejam economias mais frágeis, países em desenvolvimento ou já
desenvolvidos. É voz comum atribuir-se à insuficiência na formação profissional
a dificuldade dos jovens em acessar o mercado de trabalho. Entretanto, ainda
que os investimentos neste campo sejam imprescindíveis, a solução não virá sem
uma abordagem global, considerados os variados aspectos associados ao tema.
Na impossibilidade de se
criar oportunidades no mercado de trabalho, não raro, recomenda-se que os
jovens devam permanecer na escola, para se capacitar mais e chegar ao mercado com
melhor preparo.
Vamos relativizar esta
questão.
Os jovens têm, na média,
melhor escolaridade que aqueles que ocupam os postos de trabalho existentes,
mas este fator isoladamente não parece ser suficiente para que as portas lhes
sejam abertas.
O Prof. Candido Alberto Gomes,
sociólogo e especialista em educação, cria uma imagem que nos parece
apropriada, a de que as escolas acabam por se transformar em um “pátio de
estacionamento”, um local de espera para que se permaneça mais tempo fora da
rua. O jovem permanece num limbo, porque não conclui o processo formativo e não
assume posições que lhe garantam a estabilidade necessária para constituir
família e vislumbrar um futuro em que suas esperanças sejam concretizadas.
Este quadro exige que se
discuta não apenas a questão da formação profissional, ou mesmo das
deficiências da educação básica, mas também, a política econômica a ser adotada
e a sua capacidade de promover a geração de emprego. Para além das
transformações advindas da reestruturação produtiva, é preciso considerar as
consequências de uma mudança geracional importante, uma questão de natureza
demográfica.
Refiro-me ao fato que estamos
vivendo mais. A expectativa de vida ao nascer dobrou, apenas no século passado,
alcançando em muitos países, na média, entre 70 e mais de 80 anos, sendo maior
entre as mulheres. A Ciência e a Medicina evoluíram, e o tratamento de doenças
que antes nos deixava inválidos, ou incapacitados para o trabalho, hoje
nos mantém ativos, ocupando espaços que anteriormente eram cedidos aos jovens.
Simultaneamente, as mulheres passaram a ter um papel mais ativo no mercado de
trabalho, aumentando a pressão sobre as vagas disponíveis.
Assim, se a economia não tem
capacidade de criar empregos em quantidade superior a este movimento, não há
espaço para os jovens. Eles são preteridos sob a justificativa de que não têm
qualificação, ou não tem experiência profissional, ou simplesmente porque são
jovens e falta-lhes maturidade ou outro atributo, segundo a argumentação mais
conveniente para não acolhê-los.
Não se trata, entretanto,
apenas de prover vagas em quantidade, mas também de capacitar os trabalhadores
para ocupar posições mais qualificadas.
Assim, o desafio da educação
profissional, deve ser visto no contexto de um projeto de desenvolvimento
econômico e social. A estratégia de desenvolvimento de um país e sua política
econômica devem incorporar como elemento central a quantidade e qualidade dos
empregos a serem gerados no período histórico correspondente.
Tomo como exemplo o caso
coreano. Há poucas semanas, com o apoio do Banco Interamericano de
Desenvolvimento - BID, representações dos países da América Latina e Caribe,
incluindo vice-ministros do Brasil e da República Dominicana, estiveram na
Coreia do Sul conhecendo a sua experiência na estruturação da educação
profissional, da orientação profissional, do sistema público de emprego e do
seu interessante Seguro Emprego.
Chamou a atenção de todos a
visão de longo prazo ali demonstrada, o planejamento meticulosamente elaborado,
à obstinação na busca do atingimento das metas e objetivos estabelecidos.
Merece ainda referência como paradigma a articulação entre as metas econômicas
e educacionais.
Ainda na década de 60, a
Coreia definiu uma mudança de estratégia visando o rápido crescimento econômico
e a criação de empregos baseada na exportação como alternativa ao modelo de
substituição de importações. Entre as principais dificuldades para obter êxito
nessa via estavam: a escassez de capital, a falta de tecnologia e a falta de
uma força de trabalho capacitada.
Promover a formação
profissional e a educação técnica foi o caminho adotado para desenvolver
tecnologia e capacitar a força de trabalho. Foram definidos critérios
sistemáticos, assim como criadas instituições públicas encarregadas da
capacitação profissional. Definiu-se, ainda, a responsabilidade das empresas
com a capacitação profissional. Um sistema complexo, que é aprimorado
periodicamente e se baseia cada vez mais na relação de mão dupla entre educação
e trabalho, sempre considerando casos exitosos que a experiência internacional
aponta.
Atualmente, a Coreia enfrenta
desafios de estimular os jovens a trabalhar, visto que se dedicam cada vez mais
aos estudos na expectativa de vir a ocupar postos mais altos em grandes
empresas. Uma crise que muitos países gostariam de enfrentar, com uma força de
trabalho cuja oferta de jovens com pós-graduação universitária é bastante expressiva.
Não se trata de fazer aqui
uma análise mais detalhada deste processo, mas ressaltar que, embora tenham
alcançado um extraordinário crescimento econômico e uma baixa taxa de
desemprego, observa-se que o desemprego juvenil apresenta, como em outras
nações, um índice duas vezes maior que a média observada na sua própria economia.
Simultaneamente, vem
crescendo a quantidade de jovens que não mais estuda, não trabalha ou realiza
treinamento laboral, tendo alcançado um percentual de 9,9% da população de 15 a
34 anos de idade. Entre as medidas para reverter a situação, buscam estimular
os jovens a ingressar em empresas de menor porte, e ampliar a participação das
empresas na formação profissional.
São soluções adequadas àquele
país e ao seu grau de desenvolvimento. Apesar de ser preocupante a situação dos
jovens, há que se reconhecer que as condições de superação das dificuldades na
Coreia do Sul estão mais próximas em razão da forte estrutura educacional e de
um projeto de desenvolvimento bem estruturado.
No Brasil, onde foram criadas
nos últimos dez anos mais de 20 milhões de empregos formais, baixando a taxa de
desemprego a menos de 5%, em 2014, a
taxa do desemprego juvenil também corresponde ao dobro da média nacional. Nos
últimos dois anos observa-se uma tendência à redução dos saldos de emprego
novos, ainda que a taxa de desemprego siga caindo. Neste mesmo período,
entretanto, foi ampliada de forma significativa a política de formação profissional
e de cursos de capacitação, tendo sido aprovada uma lei que destina para a
educação, mais 50% dos royalties e rendimentos obtidos com a exploração do
petróleo das enormes jazidas do pré-sal. Esta medida deverá alavancar o esforço
de superar as principais deficiências educacionais no país.
Em ambos
os países observam-se resistências do mercado de trabalho em absorver as
camadas mais jovens da população, mas é inegável que para quebrar tais
resistências é preciso combinar crescimento econômico e investimento em
educação básica e técnica.
Não se pode, por outro lado,
menosprezar a necessidade de promover condições de trabalho mais avançadas.
Através do conceito de “Trabalho Decente”, a Organização Internacional do
Trabalho visa promover “oportunidades para que homens e mulheres
possam ter um trabalho produtivo e de qualidade, em condições de liberdade,
equidade, segurança e dignidade humanas”.
Agendas de Trabalho Decente baseadas em diagnóstico
da realidade de cada país estabelecem prioridades e metas a serem atingidas
visando a erradicação do trabalho infantil, a redução dos acidentes de
trabalho, a redução das desigualdades de raça e gênero no mercado de trabalho,
a promoção de emprego para jovens, entre outros temas.
No Brasil a Agenda Nacional para o Trabalho
Decente para a Juventude estabeleceu quatro prioridades: 1. Mais e melhor
educação; 2. Conciliação dos estudos, trabalho e vida familiar; 3. Inserção ativa e digna no mundo do trabalho,
com igualdade de oportunidades e de tratamento; e 4. Diálogo Social –
Juventude, Trabalho e Educação.
A participação da juventude no debate em torno
dos problemas que a aflige tem se viabilizado através de Conferências
municipais, estaduais e nacionais, buscando consolidar uma política pública
sobre o tema. Dar-lhes a oportunidade de participar da elaboração das soluções,
é uma forma de contribuir com a sua formação cidadã.
Não há uma
fórmula única, contudo. Com base na experiência internacional, encontramos
sinais ou indicações, mas as soluções neste campo passam pela compreensão das
peculiaridades locais, do processo de construção histórica da sociedade e da
identificação das potencialidades que possam ser revertidas para o êxito da
estratégia de desenvolvimento.
(1)
Com
base em palestra magna ministrada no intitulada
Jóvenes y mercado de trabajo:
claves para armar el rompecabezas, no XVIII
Congreso Internacional de Educación "APRENDO" JÓVENES RD:
EDUCACIÓN, EMPLEO & ESPERANZA, Santo Domingo, República Dominicana, 7,
8 y 9 de Noviembre, 2014