10 outubro, 2024

O QUE É MARXISMO OCIDENTAL?

 

Nilton Vasconcelos

A resposta a esta pergunta leva em conta diversos autores e, para produzir esta síntese buscamos identificar as principais características do que se convencionou chamar de marxismo ocidental. Mas é apenas uma pequena introdução ao tema, e ao final apresentaremos indicações para quem quiser se aprofundar no estudo.

A expressão “marxismo ocidental” ganhou maior projeção por se constituir numa crítica à experiência socialista soviética, a partir de setores de esquerda na Europa, e estava relacionada a supostas contradições entre a teoria marxista e o chamado socialismo real. Estas contradições estariam presentes nos partidos que seguiam a orientação política da liderança soviética e, por último nas repúblicas socialistas asiáticas, a exemplo da China.

Segundo o historiador e filósofo político inglês Perry Anderson, a primeira e mais fundamental das características do marxismo ocidental foi a dissociação desta visão marxista com a prática política. Para Anderson, “o divórcio entre teoria e prática e suas consequências para o trabalho teórico... foram... acompanhados de outras mudanças igualmente importantes. No lugar daquelas temáticas características da tradição clássica, o marxismo ocidental se ocupará de questões que tinham, até então, ocupado um lugar menor, ou mesmo que não estavam presentes na tradição clássica”.

Muitas das críticas elaboradas por setores de esquerda se relacionavam ao fato de que, diferentemente do que pensavam Marx e Engels, as primeiras revoluções socialistas surgiram não nos países mais avançados, onde as contradições entre o capital e o trabalho estariam mais aguçadas. Nestes países a economia capitalista havia levado ao assalariamento como principal relação de trabalho, a concentração do capital se ampliara, abrindo espaço para as lutas operárias e sindicais.

Não eram essas as condições encontradas na Rússia czarista, onde havia predominância da produção agrária, com amplo campesinato, e relações de produção capitalistas pouco desenvolvidas.

Com a tomada do poder político pelos sovietes, com o fim da primeira guerra mundial e a superação da guerra civil, sob a direção de Lênin foi implementada uma Nova Política Econômica (NEP), que esteve vigente por cerca de sete anos, até 1928. A NEP liberaliza capitais, reativa o comércio e a propriedade privada dos meios de produção, sob estrito controle do estado. O objetivo era recuperar a economia devastada pelo esforço de guerra e de resistência às investidas das potências estrangeiras que estimulavam os inimigos internos.

Daí decorre uma das principais críticas do chamado marxismo ocidental. Segundo os teóricos filiados a esta concepção, longe de haver a extinção do estado, como propõe a teoria marxista, era observado o fortalecimento do estado soviético.

Convém registrar que a ideia de extinção do estado presente na teoria marxista diz respeito à formulação de que a superação das contradições de classe, portanto, com a extinção das classes, não haveria mais a necessidade do estado. O estado capitalista é “um comitê que administra os negócios comuns de toda a burguesia”, como diz o Manifesto Comunista. A teoria estabelece ainda que, tomado o poder político, uma nova forma de estado se organiza em defesa dos interesses do proletariado, visto que as classes não se extinguem automaticamente.  Caberia ao estado proletário promover uma transição rumo à sociedade sem classes e sem estado.

No caso da União Soviética pretender que o estado devesse ser extinto sem considerar a necessidade de fazer frente a tantos inimigos contrarrevolucionários é completamente absurda. Não poderiam os soviéticos ter enfrentado os nazistas, e ter exercido o papel determinante que tiveram para a vitória aliada na segunda guerra mundial.

O marxismo ocidental, portanto, apega-se a formulações teóricas abstratas, afastando-se da realidade objetiva, e desconhecendo as particularidades da luta anticolonial e neocolonial. Por vezes o leninismo é chamado de marxismo oriental. Foi Lênin, o grande líder da revolução bolchevique, que desenvolveu o conceito de imperialismo como etapa superior do capitalismo, a partir de outras formulações teóricas sobre o tema.

No imperialismo, há uma predominância do capital financeiro – associação do capital industrial e do capital bancário, e grande expansão do capitalismo para regiões menos desenvolvidas economicamente. Nas condições do imperialismo, ainda segundo Lênin, a revolução surgiria a partir “do elo mais frágil da cadeia imperialista”, isto é, nos países em que as contradições sociais fossem mais acirradas, com a reação de movimentos revolucionários em países submetidos ao domínio imperialista. Neste caso as lutas democráticas, de libertação nacional do jugo imperialista, seriam o estopim da revolução, uma outra manifestação das contradições capital trabalho.

Estas novas condições desafiam os partidos comunistas a encontrar novas saídas para a construção do socialismo.

No China, um cerco histórico do imperialismo estadunidense se impôs desde cedo. No período da política chinesa do Grande Salto à Frente, quando Mao Zedong buscava uma rápida industrialização para superar o atraso econômico, a China enfrentou grande escassez de alimentos com trágicas proporções. Os EUA viram a oportunidade de promover um cerco que agravasse o quadro econômico, interferindo na política interna chinesa. A guerra comercial e tecnológica que é praticada na atualidade, é um desdobramento da mesma estratégia.

O marxismo ocidental desconhece essas condições da luta, aferrando-se a conceitos teóricos abstratos, desconsiderando a realidade concreta e a necessidade de superar os obstáculos que são postos à frente. Recusam a considerar os problemas que a revolução anticolonial e anti-imperialista se depara a partir da conquista do poder. Concentram na teoria crítica, na denúncia do poder, entendem que o afastamento do poder lhes assegura uma condição privilegiada de marxistas “autênticos”.

A revolução anticolonial está cada vez mais presente, num quadro em que o império norte-americano tenta desestabilizar a Rússia e a China socialista, e levá-los a uma guerra por procuração, como na Ucrânia, ou em Taiwan, como buscam fomentar.

Críticos do marxismo ocidental afirmam que essa corrente de pensamento teria procurado “diferentes antecedentes teóricos” e “sistemas filosóficos pré-marxistas para legitimar, explicar ou suplementar a filosofia do próprio Marx”. Teriam estabelecido “intercâmbio constante com sistemas de pensamento alheios ao materialismo histórico, e frequentemente vistos como antagônicos a ele”, rompendo a tradição teórica marxista.

Estas são algumas ideias relacionadas ao tema e quem tiver interesse em aprofundar pode ler “O marxismo ocidental”, de Domenico Losurdo, da editora Boitempo, assim como, o artigo “Crítica ao conceito de marxismo ocidental” de Pedro Leão da Costa Neto, publicado na revista Crítica Marxista.