Nilton Vasconcelos
A resposta a esta pergunta leva em conta diversos autores e, para produzir esta síntese buscamos identificar as principais características do que se convencionou chamar de marxismo ocidental. Mas é apenas uma pequena introdução ao tema, e ao final apresentaremos indicações para quem quiser se aprofundar no estudo.
A expressão “marxismo
ocidental” ganhou maior projeção por se constituir numa crítica à experiência
socialista soviética, a partir de setores de esquerda na Europa, e estava
relacionada a supostas contradições entre a teoria marxista e o chamado
socialismo real. Estas contradições estariam presentes nos partidos que seguiam
a orientação política da liderança soviética e, por último nas repúblicas
socialistas asiáticas, a exemplo da China.
Segundo o historiador e
filósofo político inglês Perry Anderson, a primeira e mais fundamental das
características do marxismo ocidental foi a dissociação desta visão marxista
com a prática política. Para Anderson, “o divórcio entre teoria e prática e
suas consequências para o trabalho teórico... foram... acompanhados de outras
mudanças igualmente importantes. No lugar daquelas temáticas características da
tradição clássica, o marxismo ocidental se ocupará de questões que tinham, até
então, ocupado um lugar menor, ou mesmo que não estavam presentes na tradição
clássica”.
Muitas das críticas elaboradas
por setores de esquerda se relacionavam ao fato de que, diferentemente do que
pensavam Marx e Engels, as primeiras revoluções socialistas surgiram não nos
países mais avançados, onde as contradições entre o capital e o trabalho
estariam mais aguçadas. Nestes países a economia capitalista havia levado ao
assalariamento como principal relação de trabalho, a concentração do capital se
ampliara, abrindo espaço para as lutas operárias e sindicais.
Não eram essas as
condições encontradas na Rússia czarista, onde havia predominância da produção
agrária, com amplo campesinato, e relações de produção capitalistas pouco
desenvolvidas.
Com a tomada do poder
político pelos sovietes, com o fim da primeira guerra mundial e a superação da
guerra civil, sob a direção de Lênin foi implementada uma Nova Política
Econômica (NEP), que esteve vigente por cerca de sete anos, até 1928. A NEP liberaliza
capitais, reativa o comércio e a propriedade privada dos meios de produção, sob
estrito controle do estado. O objetivo era recuperar a economia devastada pelo
esforço de guerra e de resistência às investidas das potências estrangeiras que
estimulavam os inimigos internos.
Daí decorre uma das
principais críticas do chamado marxismo ocidental. Segundo os teóricos filiados
a esta concepção, longe de haver a extinção do estado, como propõe a teoria
marxista, era observado o fortalecimento do estado soviético.
Convém registrar que a
ideia de extinção do estado presente na teoria marxista diz respeito à
formulação de que a superação das contradições de classe, portanto, com a
extinção das classes, não haveria mais a necessidade do estado. O estado capitalista
é “um comitê que administra os negócios comuns de toda a burguesia”, como diz o
Manifesto Comunista. A teoria estabelece ainda que, tomado o poder político,
uma nova forma de estado se organiza em defesa dos interesses do proletariado,
visto que as classes não se extinguem automaticamente. Caberia ao estado proletário promover uma
transição rumo à sociedade sem classes e sem estado.
No caso da União
Soviética pretender que o estado devesse ser extinto sem considerar a
necessidade de fazer frente a tantos inimigos contrarrevolucionários é
completamente absurda. Não poderiam os soviéticos ter enfrentado os nazistas, e
ter exercido o papel determinante que tiveram para a vitória aliada na segunda
guerra mundial.
O marxismo ocidental,
portanto, apega-se a formulações teóricas abstratas, afastando-se da realidade
objetiva, e desconhecendo as particularidades da luta anticolonial e
neocolonial. Por vezes o leninismo é chamado de marxismo oriental. Foi Lênin, o
grande líder da revolução bolchevique, que desenvolveu o conceito de
imperialismo como etapa superior do capitalismo, a partir de outras formulações
teóricas sobre o tema.
No imperialismo, há uma
predominância do capital financeiro – associação do capital industrial e do
capital bancário, e grande expansão do capitalismo para regiões menos
desenvolvidas economicamente. Nas condições do imperialismo, ainda segundo
Lênin, a revolução surgiria a partir “do elo mais frágil da cadeia
imperialista”, isto é, nos países em que as contradições sociais fossem mais acirradas,
com a reação de movimentos revolucionários em países submetidos ao domínio
imperialista. Neste caso as lutas democráticas, de libertação nacional do jugo
imperialista, seriam o estopim da revolução, uma outra manifestação das
contradições capital trabalho.
Estas novas condições desafiam
os partidos comunistas a encontrar novas saídas para a construção do
socialismo.
No China, um cerco
histórico do imperialismo estadunidense se impôs desde cedo. No período da
política chinesa do Grande Salto à Frente, quando Mao Zedong buscava uma rápida
industrialização para superar o atraso econômico, a China enfrentou grande
escassez de alimentos com trágicas proporções. Os EUA viram a oportunidade de
promover um cerco que agravasse o quadro econômico, interferindo na política
interna chinesa. A guerra comercial e tecnológica que é praticada na
atualidade, é um desdobramento da mesma estratégia.
O marxismo ocidental
desconhece essas condições da luta, aferrando-se a conceitos teóricos abstratos,
desconsiderando a realidade concreta e a necessidade de superar os obstáculos
que são postos à frente. Recusam a considerar os problemas que a revolução
anticolonial e anti-imperialista se depara a partir da conquista do poder.
Concentram na teoria crítica, na denúncia do poder, entendem que o afastamento
do poder lhes assegura uma condição privilegiada de marxistas “autênticos”.
A revolução anticolonial
está cada vez mais presente, num quadro em que o império norte-americano tenta
desestabilizar a Rússia e a China socialista, e levá-los a uma guerra por
procuração, como na Ucrânia, ou em Taiwan, como buscam fomentar.
Críticos do marxismo
ocidental afirmam que essa corrente de pensamento teria procurado “diferentes
antecedentes teóricos” e “sistemas filosóficos pré-marxistas para legitimar,
explicar ou suplementar a filosofia do próprio Marx”. Teriam estabelecido “intercâmbio
constante com sistemas de pensamento alheios ao materialismo histórico, e
frequentemente vistos como antagônicos a ele”, rompendo a tradição teórica
marxista.
Estas são algumas ideias relacionadas
ao tema e quem tiver interesse em aprofundar pode ler “O marxismo ocidental”,
de Domenico Losurdo, da editora Boitempo, assim como, o artigo “Crítica ao
conceito de marxismo ocidental” de Pedro Leão da Costa Neto, publicado na
revista Crítica Marxista.