Nilton Vasconcelos
Organização Internacional do
Trabalho (OIT), em seu relatório Emprego Mundial em 1996, conclui que 900 (novecentos) milhões de
trabalhadores em todo mundo estariam desempregados ou subempregados, o
equivalente à totalidade da população de uma África e meia, ou 30% da força de
trabalho do globo - mais de 30 milhões de desempregados apenas, países ricos.
Pior, não há perspectiva de recuperação dos postos de trabalho na mesma proporção
em que foram eliminados.
Na área da OCDE (Organização para
a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), a taxa de desemprego aberto -
situação em que o indivíduo que procura emprego não tem alternativa de sustento,
em 1995 esteve em 7,8%. Na Espanha, este índice chegou a 22,9%, sendo 54,6%
destes, desemprego de longa duração. O Japão, que montou um modelo econômico no
pós-guerra baseado na estabilização do emprego, registra um desemprego
recorde de 3,4% mas admite-se extraoficialmente que possa chegar a 9%. Na
poderosa Alemanha, terceira economia do mundo, o desemprego atingiu, em
agosto de 1997, o mais alto índice desde a Segunda Guerra: 11,4% da população
economicamente ativa. Na parte que correspondia à antiga Alemanha Oriental este
índice aproxima-se dos 20%.
São números pouco animadores, que
preocupam os países mais industrializados do mundo, que acabam de realizar mais
urna reunião para tratar do assunto. A Conferencia Sobre o Emprego do G-8
ocorreu no último mês de novembro, em Kobe, no Japão, e concluiu uma proposta
dos sete países mais industrializados e da Rússia, que será submetida à
Conferencia Internacional do Trabalho, em Genebra, Suíça, no primeiro trimestre
de 1998. O documento final do encontro destaca, entre outros pontos:
- ressaltar as políticas macroeconômicas
que visem a estabilidade e ao Crescimento não-inflacionário;
- flexibilizar a organização do trabalho,
observando as normas internacionais do trabalho em matéria de direitos fundamentais
dos trabalhadores;
- encorajar os trabalhadores a enfrentar
novos desafios e a melhorar eles mesmos suas capacidades para mão de obra mais
especializadas;
- revisar os sistemas de previdência social para poder beneficiar
o setor privado com maior dinamismo;
- melhorar
o ambiente de trabalho, ai compreendidos horários mais flexíveis e as
disposições locais.
Aparentemente, não houve
novidades em relação em relação aos encontros anteriores. Esta é a terceira
conferência especializada sobre emprego que reúne países mais industrializados.
Antes, em 1994, reuniram-se em Detroit, EUA, e 1996, em Lille, na França. Em Lilli,
foram debatidas duas proposições básicas. De um lado, a França, baseada em
estudos da Organização Internacional do Trabalho, defendeu a implementação de
políticas públicas para geração de emprego, inclusive a redução da jornada e
elevação dos salários para permitir o aumento do consumo, em consequência, da
produção, e supostamente do nível de emprego.
De outro lado, os Estados Unidos
propunham exatamente o inverso, ou seja, a desregulamentação, o afastamento do
Estado da economia, e o combate do déficit público. Baseados no fato de que o
desemprego nos EUA apresenta taxas em desaceleração, o governo defende um posicionamento
de que a redução das despesas públicas permitirá que mais recursos sejam carreados
para a iniciativa privada promovendo maior crescimento da atividade econômica e
do emprego. Mas se o desemprego tem caído, também é verdadeiro que os salários
estão diminuindo naquele país, em consequência da flexibilização da legislação trabalhista
e do surgimento de empregos mais 'precários'.
De uma forma geral, nestes encontros
multilaterais, prevalece o entendimento americano, segundo o qual sua política esta dando certo
e deve ser seguida. A reunião de Kobe, ao registrar a preocupação com os
direitos trabalhistas, poderia revelar alguma alteração na política até então
recomendada, mas seria urna conclusão precipitada visto que ainda prevalece a ideia
da desregulamentação das relações de trabalho.
Em documento divulgado após a
reunião de Lille, a OIT considera que os partidários da desregulamentação
apontam a existência de sindicatos fortes, uma estrita proteção ao emprego e
generosas disposições de proteção social, como explicação para os elevados
níveis de desemprego quando comparados à economia norte-americana, onde estas
características apontadas não existem. No entanto, argumenta, independentemente
das diferenças de regulamentação a deterioração do mercado de trabalho tem
ocorrido indistintamente, desde a primeira crise do petróleo, em 1974,em todos
os países da OCDE.
Confrontando com o discurso
estadunidense, contrário ao incremento dos salários como estratégia de estímulo ao consumo e aumento dos
investimentos produtivos, a OIT rechaça a análise segundo a qual to elevados salários
na Europa são a causa direta dos elevados níveis de desemprego. Salienta, que mesmo
com o fim da indexação de salários e outros mecanismos de proteção, ainda
assim, as taxo de desemprego não caíram, demonstrando, a seu ver, que a
persistência do problema se deve a outros fatores.
Evidentemente, não há como falar
em recuperação dos níveis de emprego com uma economia enfrentando um quadro de
redução dos índices de crescimento. Mas os fatores que promovem o crescimento
da economia norte-americana não tem estimulado a economia brasileira. A solução
que funciona para eles, necessariamente não resolve o nosso problema do
desemprego.
Atualmente, cresce em todo o mundo
a ideia da redução da jornada de trabalho como uma das soluções para criar
novas vagas. Na Europa, em particular na Alemanha e na França, já está sendo
praticada. É uma tendência histórica. Desde a revolução industrial, a
introdução de inovações tecnológicas determinou um aumento de produtividade com
reflexos sobre o emprego. A mobilização da sociedade levou, já no século XIX, a
medidas que contrabalançaram o incremento da produtividade através de conquistas
sociais importantes, a exemplo da limitação imposta ao trabalho infantil e de
mulheres e às extensas jornadas, com a fixação, de uma jornada de trabalho básica,
de limite de idade para o trabalho e novas normas relativas à aposentadoria.
Na França, o novo governo
estabeleceu que a semana de 35 horas será implantada no ano 2000, mas, já em
98, o Estado pagará um bônus de US$ 1.600 por cada empregado no caso de
alcançarem a metade reduzir progressivamente a jornada de trabalho com
crescimento da produção. As empresas que atingirem 32 horas semanais poderão
receber até USS 2.300 por empregado.
Estas medidas serão implantadas
apesar da reação contrária das lideranças empresariais locais, que não querem
correr o risco de perder competitividade internacional. Representa, no entanto,
uma solução alternativa que merece ser acompanhada com atenção. Uma atitude
corajosa do governo socialista numa conjuntura internacional adversa a proteção
social pelo Estado.
Na verdade, a busca de outros
referenciais para o enfrentamento da questão do desemprego é, no mínimo, recomendável
especialmente para países economicamente
dependentes, como o nosso. Em um mundo globalizado, os países que não se encontram
em um patamar elevado de desenvolvimento econômico-social e tecnológico, enfim,
que não sejam competitivos no plano internacional, estão destinados a realizar corrida
desenfreada para superar suas limitações, sem, contudo ter muitas chances de alcançar
aqueles que estão no topo. Ao contrário, a tendência principal que se observa é
que países mais atrasados sigam enfrentando dificuldades crescentes, salvo se reunirem
condições políticas para superarem a correlação de forças e a lógica predominante:
a lógica da exclusão.
A complexidade do tema é
evidente, e a predominância em nosso país de concepções que tomam como base o
paradigma norte-americano de combate ao desemprego, de desregulamentação do
mercado de trabalho, pode representar um obstáculo à soluções mais efetivas
para a questão.
Gazeta Mercantil, Gazeta da
Bahia, segunda-feira, 29 de dezembro de 1997.
Gazeta Mercantil - Regional Nordeste
29 de dezembro de 1997