29 dezembro, 1997

As diferentes abordagens do desemprego

Nilton Vasconcelos

Organização Internacional do Trabalho (OIT), em seu relatório Emprego Mundial em 1996,  conclui que 900 (novecentos) milhões de trabalhadores em todo mundo estariam desempregados ou subempregados, o equivalente à totalidade da população de uma África e meia, ou 30% da força de trabalho do globo - mais de 30 milhões de desempregados apenas, países ricos. Pior, não há perspectiva de recuperação dos postos de trabalho na mesma proporção em que foram eliminados.

Na área da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), a taxa de desemprego aberto - situação em que o indivíduo que procura emprego não tem alternativa de sustento, em 1995 esteve em 7,8%. Na Espanha, este índice chegou a 22,9%, sendo 54,6% destes, desemprego de longa duração. O Japão, que montou um modelo econômico no pós-guerra baseado na estabilização do emprego, registra um desemprego recorde de 3,4% mas admite-se extraoficialmente que possa chegar a 9%. Na poderosa Alemanha, terceira economia do mundo, o desemprego atingiu, em agosto de 1997, o mais alto índice desde a Segunda Guerra: 11,4% da população economicamente ativa. Na parte que correspondia à antiga Alemanha Oriental este índice aproxima-se dos 20%.

São números pouco animadores, que preocupam os países mais industrializados do mundo, que acabam de realizar mais urna reunião para tratar do assunto. A Conferencia Sobre o Emprego do G-8 ocorreu no último mês de novembro, em Kobe, no Japão, e concluiu uma proposta dos sete países mais industrializados e da Rússia, que será submetida à Conferencia Internacional do Trabalho, em Genebra, Suíça, no primeiro trimestre de 1998. O documento final do encontro destaca, entre outros pontos:
- ressaltar as políticas macroeconômicas que visem a estabilidade e ao Crescimento não-inflacionário;
- flexibilizar a organização do trabalho, observando as normas internacionais do trabalho em matéria de direitos fundamentais dos trabalhadores;
- encorajar os trabalhadores a enfrentar novos desafios e a melhorar eles mesmos suas capacidades para mão de obra mais especializadas;
- revisar os  sistemas de previdência social para poder beneficiar o setor privado com maior dinamismo;
- melhorar o ambiente de trabalho, ai compreendidos horários mais flexíveis e as disposições locais.


Aparentemente, não houve novidades em relação em relação aos encontros anteriores. Esta é a terceira conferência especializada sobre emprego que reúne países mais industrializados. Antes, em 1994, reuniram-se em Detroit, EUA, e 1996, em Lille, na França. Em Lilli, foram debatidas duas proposições básicas. De um lado, a França, baseada em estudos da Organização Internacional do Trabalho, defendeu a implementação de políticas públicas para geração de emprego, inclusive a redução da jornada e elevação dos salários para permitir o aumento do consumo, em consequência, da produção, e supostamente do nível de emprego.

De outro lado, os Estados Unidos propunham exatamente o inverso, ou seja, a desregulamentação, o afastamento do Estado da economia, e o combate do déficit público. Baseados no fato de que o desemprego nos EUA apresenta taxas em desaceleração, o governo defende um posicionamento de que a redução das despesas públicas permitirá que mais recursos sejam carreados para a iniciativa privada promovendo maior crescimento da atividade econômica e do emprego. Mas se o desemprego tem caído, também é verdadeiro que os salários estão diminuindo naquele país, em consequência da flexibilização da legislação trabalhista e do surgimento de empregos mais 'precários'.

De uma forma geral, nestes encontros multilaterais, prevalece o entendimento americano,  segundo o qual sua política esta dando certo e deve ser seguida. A reunião de Kobe, ao registrar a preocupação com os direitos trabalhistas, poderia revelar alguma alteração na política até então recomendada, mas seria urna conclusão precipitada visto que ainda prevalece a ideia da desregulamentação das relações de trabalho.

Em documento divulgado após a reunião de Lille, a OIT considera que os partidários da desregulamentação apontam a existência de sindicatos fortes, uma estrita proteção ao emprego e generosas disposições de proteção social, como explicação para os elevados níveis de desemprego quando comparados à economia norte-americana, onde estas características apontadas não existem. No entanto, argumenta, independentemente das diferenças de regulamentação a deterioração do mercado de trabalho tem ocorrido indistintamente, desde a primeira crise do petróleo, em 1974,em todos os países da OCDE.

Confrontando com o discurso estadunidense, contrário ao incremento dos salários como estratégia  de estímulo ao consumo e aumento dos investimentos produtivos, a OIT rechaça a análise segundo a qual to elevados salários na Europa são a causa direta dos elevados níveis de desemprego. Salienta, que mesmo com o fim da indexação de salários e outros mecanismos de proteção, ainda assim, as taxo de desemprego não caíram, demonstrando, a seu ver, que a persistência do problema se deve a outros fatores.

Evidentemente, não há como falar em recuperação dos níveis de emprego com uma economia enfrentando um quadro de redução dos índices de crescimento. Mas os fatores que promovem o crescimento da economia norte-americana não tem estimulado a economia brasileira. A solução que funciona para eles, necessariamente não resolve o nosso problema do desemprego.

Atualmente, cresce em todo o mundo a ideia da redução da jornada de trabalho como uma das soluções para criar novas vagas. Na Europa, em particular na Alemanha e na França, já está sendo praticada. É uma tendência histórica. Desde a revolução industrial, a introdução de inovações tecnológicas determinou um aumento de produtividade com reflexos sobre o emprego. A mobilização da sociedade levou, já no século XIX, a medidas que contrabalançaram o incremento da produtividade através de conquistas sociais importantes, a exemplo da limitação imposta ao trabalho infantil e de mulheres e às extensas jornadas, com a fixação, de uma jornada de trabalho básica, de limite de idade para o trabalho e novas normas relativas à aposentadoria.

Na França, o novo governo estabeleceu que a semana de 35 horas será implantada no ano 2000, mas, já em 98, o Estado pagará um bônus de US$ 1.600 por cada empregado no caso de alcançarem a metade reduzir progressivamente a jornada de trabalho com crescimento da produção. As empresas que atingirem 32 horas semanais poderão receber até USS 2.300 por empregado.

Estas medidas serão implantadas apesar da reação contrária das lideranças empresariais locais, que não querem correr o risco de perder competitividade internacional. Representa, no entanto, uma solução alternativa que merece ser acompanhada com atenção. Uma atitude corajosa do governo socialista numa conjuntura internacional adversa a proteção social pelo Estado.

Na verdade, a busca de outros referenciais para o enfrentamento da questão do desemprego é, no mínimo, recomendável  especialmente para países economicamente dependentes, como o nosso. Em um mundo globalizado, os países que não se encontram em um patamar elevado de desenvolvimento econômico-social e tecnológico, enfim, que não sejam competitivos no plano internacional, estão destinados a realizar corrida desenfreada para superar suas limitações, sem, contudo ter muitas chances de alcançar aqueles que estão no topo. Ao contrário, a tendência principal que se observa é que países mais atrasados sigam enfrentando dificuldades crescentes, salvo se reunirem condições políticas para superarem a correlação de forças e a lógica predominante: a lógica da exclusão.

A complexidade do tema é evidente, e a predominância em nosso país de concepções que tomam como base o paradigma norte-americano de combate ao desemprego, de desregulamentação do mercado de trabalho, pode representar um obstáculo à soluções mais efetivas para a questão.

Gazeta Mercantil, Gazeta da Bahia, segunda-feira, 29 de dezembro de 1997.


Gazeta Mercantil - Regional Nordeste
29 de dezembro de 1997

19 dezembro, 1997

A desregulamentação do mercado de trabalho no Brasil


Nilton Vasconcelos

Tomando por base os critérios estatísticos oficiais, no Brasil, 2,24 milhões de pessoas atingem anualmente a faixa dos 15 a 64 anos, idade produtiva para encontrar ocupação. Isto significa que há necessidade de geração de um novo emprego a cada 14 segundos.

O país, no entanto, contrário de criar mais vagas diminui o estoque de empregos existentes.

 Segundo o Ministério do Trabalho, de 1990 a agosto de 1997, o mercado formal perdeu 2,086 milhões de empregos, enquanto a população economicamente ativa cresceu de 64,4 milhões para 74,1 milhões de trabalhadores, segundo o IBGE. Portanto, 11,7 milhões de pessoas deixaram de compor o mercado formal de trabalho. Parte destes está desempregada, outros integram a economia informal.

Setores empresariais e políticos têm apontado como uma das causas do desemprego o denominado "custo Brasil" - custos decorrentes da regulamentação imposta pelo Estado brasileiro que oneraria os produtos nacionais. Neste sentido, têm proposto a flexibilização das relações trabalhistas.

Mas, o que é o "custo Brasil" para o empresariado? Em geral, o discurso é contra as condições de infraestrutura, os custos portuários, os altos juros, o sistema tributário, a legislação trabalhista pouco flexível e o excesso de regulamentação.

No que se refere à legislação trabalhista, cálculos diferentes fundamentam as teses favoráveis e contrárias ao "custo Brasil". Aqueles que defendem a redução do referido 'custo' como solução do problema, ou pelo menos como uma das medidas prioritárias, calculam que a empresa brasileira tem que arcar com algo em torno de 102% a mais da remuneração da força de trabalho, com encargos sociais e trabalhistas, onerando demasiadamente seus custos e fazendo com que elas percam capacidade de competir. Se os custos com a mão de obra fossem menores, argumentam, as empresas seriam estimuladas a contratar mais trabalhadores. Do contrário, afirmam, as empresas acabam fechando as portas e gerando mais desemprego.

Mas é discutível a informação de que o trabalhador brasileiro representa alto custo para as empresas. Para alcançar os referidos 102% de encargos sobre os salários, os defensores do estudo incluíram as despesas com o repouso semanal remunerado, férias, abono de férias e o 13° salário, como despesas a serem cortadas. Ou seja, a ideia da flexibilização das relações trabalhistas pressupõe a eliminação de conquistas sociais históricas. Retirados estes itens do cálculo, o custo adicional de um trabalhador para a empresa é de 46%, sendo 26% de taxas e contribuições e 20% com salários indiretos, inclusive FGTS.

Discutível também é o argumento de que a redução de encargos deva resultar em aumento do nível de emprego. Uma das maneiras de se medir a informalidade nas relações de trabalho no Brasil é tomando por base as contribuições do INSS. Em 1990, 49,9% da força de trabalho empregada não contribuíam. Em 1995, este percentual subiu para 56,9%, estão, supostamente, vinculados à economia informal. Estes números são utilizados para reforçar o argumento de que uma forma de legalizar a situação destes trabalhadores seria, justamente, a diminuição das exigências legais. Ou seja, os trabalhadores do setor informal, sabidamente mal remunerados, teriam sua situação de precariedade no trabalho regularizada, não através da melhoria do seu padrão salarial e de benefícios, e sim pela simples extinção da legislação que deveria ampará-los.

O problema não é tão fácil como aparenta, nem a solução é tão ‘lógica’ como querem fazer crer. Em primeiro lugar, porque o argumento da baixa capacidade das empresas localizadas no país em competir nos mercados internacionais não pode deixar de levar em conta a política cambial e monetária que sustenta o plano de estabilização econômica. Com a moeda brasileira valorizada em relação ao dólar e uma taxa de juros interna excessivamente alta, torna-se cada vez mais difícil exportar produtos, ou mesmo vender para o mercado interno enfrentando a concorrência dos produtos estrangeiros. O governo mantém a inflação sob controle às custas da valorização do Real e de juros altos, com forte impacto sobre as exportações. Políticas cambial e monetária que permitam déficits comerciais sistemáticos, ainda que o fluxo de capitais para o País equilibre a balança de pagamentos, levam ao enfraquecimento do parque industrial local na disputa do mercado interno com eu produtos estrangeiros. O consumo se realiza aqui, mas o emprego é gerado fora do País, à custa da geração local de postos de trabalho.

A maior investida legal para 'flexibilizar' as relações de trabalho no País é a proposta de Contrato Temporário de Trabalho que tramita no Congresso Nacional. Esta modalidade de contrato estabelece novas condições de contratação da mão de obra através da redução dos encargos trabalhistas que as empresas estão obrigadas a pagar e, simultaneamente, dos benefícios ao trabalhador. Ao final do contrato, por exemplo, o trabalhador terá como saldo de FGTS apenas 25% do que teria direito em um contrato normal, sem contar que, em caso de demissão, perde o direito à multa de 40% sobre o saldo do FGTS. Também na demissão o empregado perde o direito ao recebimento do Aviso Prévio. A estabilidade no emprego passa a ter validade apenas na duração do contrato, que é de dois anos, mesmo no caso de acidente no trabalho ou da empregada gestante. Outras tantas regras impõem mais restrições aos direitos trabalhistas e redução de pagamento de encargos pelas empresas.

Algumas categorias, em particular, a exemplo dos trabalhadores na construção civil e no comércio serão mais atingidas com a aprovação desta legislação em função da alta rotatividade que se observa nestes segmentos.

A proposta do contrato de trabalho temporário começou a ser implementado em São Paulo por acordo entre os sindicatos patronal e dos trabalhadores, este ligado à Força Sindical. Grande contingente de trabalhadores acorreu à porta da empresa metalúrgica Aliança, a primeira a se propor a realizar contratos nas novas bases. Mesmo tendo sido suspensa, a contratação foi saudada como uma demonstração inequívoca de que a proposta continha solução para o problema do desemprego. A única conclusão, contudo, possível de se tirar, é que o trabalhador desempregado e sem perspectiva de vir a ocupar nova vaga no mercado formal, submete-se a qualquer situação para garantir o seu sustento e de sua família.

 Evidentemente que, quanto maior o contingente de trabalhadores desempregados, maior a pressão empresarial pela redução dos salários e das condições de trabalho, visto ser fácil a reposição da mão de obra.

O argumento de que a "flexibilização" (eufemismo utilizado para referir-se à perda de direitos pelos trabalhadores) das normas trabalhistas reduz o desemprego, no mínimo, gera dúvidas. A diminuição do desembolso das empresas com o pagamento de encargos trabalhistas regularizará a situação dos trabalhadores informais sem garantias de que se obtenha algum ganho em função desta nova condição. Assim, a tendência poderá tece substituição gradativa dos empregos "bons" - que incluiriam as conquistas sociais existentes - por empregos "ruins" - sem férias, 13°. etc

A eliminação de despesas com o não pagamento do INSS, por exemplo, pode ser bom para a empresa, mas é péssimo para a saúde dos trabalhadores, visto que o sistema já precário mesmo com os níveis atuais de desconto.

Isto posto, percebe-se que a problemática merece, pelo menos, um debate mais extenso da questão, bem como, a proposição de alternativas que minimizem os efeitos sociais que aprofundam o dilema da distribuição da riqueza nacional.

Gazeta Mercantil, Gazeta da Bahia, quinta-feira, 11 de dezembro de 1997



Como entender os números do desemprego


Gazeta Mercantil - Regional Nordeste
19 de dezembro de 1997